quarta-feira, agosto 30, 2006

O VISIONÁRIO OU SOM E COR


«Alucina-me a cor ! a rosa é como a lira,
A lira pelo tempo há muito engrinaldada,
E é já velha a união, a núpcia sagrada,
Entre a cor que nos prende e a nota que suspira.

Se a terra, às vezes, brota a flor que não inspira,
A teatral camélia, a branca enfastiada,
Muitas vezes no ar, perpassa a nota alada
Como a perdida cor dalguma flor que expira...

Há plantas ideais dum cântico divino,
Irmãs do oboé, gémeas do violino,
Há gemidos no azul, gritos no carmesim...

A magnólia é uma harpa etérea e perfumada,
E o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
__Tem notas marciais, soa como um clarim.»


António Duarte GOMES LEAL
1848 - 1921

29 DE AGOSTO 2006

Pois é, estive e estou com problemas na minha página. Creio que que anomalia no servidor, e burrices minhas, fizeram com que endereços desaparecessem, parte do programa do 'ALTERAR DEFINIÇÕES/MODELO' , e, não sei se alguns comentários e postagens se foram ao ar, além de a página estar por enquanto com um aspecto esquisito.
Peço a todos as minhas desculpas, e irei tentando colmatar a pouco e pouco os erros cometidos e repor os endereços em falta.
MUITO OBRIGADO

terça-feira, agosto 22, 2006

MADRIGAL NOCTURNO


Para o noivado, os cravos com as rosas,
Vendo a noite cair, já se deitaram;
Passaram de manso as virações ainda olorosas
Dalgum pomar ou laranjal por onde andaram,
E no entretanto os cravos com as rosas,
Vendo a noite cair, já se deitaram.

Frias amantes, sem amor, sem mágoas,
Choram no escura as fontes, a distância;
E os nenufares vão boiando, à flor das águas,
Cheios d'amor, cheios de aroma e de fragância,
Enquanto sem amores e sem mágoas
Choram no escuro as fontes, a distância.

Nisto o luar encheu de lado a lado
O vasto azul de vagos esplendores;
E foi então que o rouxinol, lírico alado,
Fez o primeiro madrigal dos seus amores,
Quando o luar encheu de lado a lado
O vasto azul de vagos esplendores.


Francisco Bastos

sábado, agosto 19, 2006

EU SOU AQUELE QUE SOU !

"Eu sou aquele que sou", disse Yahavé.
Mas eu sou criatura, que criou,
e vou ficando quem ainda não sou
limitando no tempo a minha fé ...

Pergunto: mas "
quem é Aquele que é
?"
Sem ontem nem agora... nada mudou!
E, uma vez, no tempo, Ele falou
e peca quem duvida, quem não crê!

Há vida e morte, frio e calor
neste
tempo
criado pr´a mudança,
num
tempo
que não tem o criador!

"Eu sou Aquele que sou"... E sem espr´ança
de entender o
tempo
do Senhor,
vou deixando no
tempo a confiança!


Maria da Assunção Carqueja Rodrigues

sexta-feira, agosto 18, 2006

TRABALHO


Não sei o que atrai para teu seio
Se és quem me martirisa e faz sofrer.
Sinto que te adoro, e te odeio,
Não te quero e sem ti não sei viver

Tu és cruel e meiga como o vento
És miséria, fortuna, agonia.
Queria nunca te ter no pensamento
Mas só pensando em ti sinto alegria

És sim o timoneiro do meu destino,
Eu sou no mar da vida peregrino
Que esmola os teus favores, se desejares.

Ter-te sempre nos braços bom seria!
Mas ficarão parados sem valia
Se tu trabalho um dia, me faltares.

Sebastião Mateus Arenque

quarta-feira, agosto 16, 2006

QUANDO FORES VELHA


Já velha de cabelos brancos e com muito sono,
A cabacear junto à lareira, pega neste livro,
E lê-o devagar e sonha com o doce olhar
E as sombras profundas que os teus olhos tiveram;

Quantos amaram os teus momentos de graciosa alegria,
E amaram a tua beleza, com amor falso ou verdadeiro,
Mas apenas um homem amou a alma peregrina que há em ti
E o sofrimento que o teu rosto em mudança revelava;

E inclinada sobre as barras incandescentes
Murmura, um pouco triste, que o Amor fugiu
E lentamente se afastou para lá das montanhas
E escondeu o seu rosto por entre miríades de estrelas.


William Butler Yeats
Poeta, dramaturgo e prosador irlandês
Prémio Nobel da Literatura -1923
1865-1939

sábado, agosto 12, 2006

AS PALAVRAS


Palavras tantas vezes perseguidas
palavras tantas vezes violadas
que não sabem cantar ajoelhadas
que não se rendem mesmo se feridas.

Palavras tantas vezes proibidas
e no entanto as únicas espadas
que ferem sempre mesmo que quebradas
vencedoras ainda que vencidas.

Palavras por quem eu já fui cativo
na língua de Camões vos querem escravas
palavras com que canto e onde estou vivo.

Mas se tudo nos levam isto nos resta:
estamos de pé dentro de vós palavras.
Nem outra glória há maior do que esta.


Manuel Alegre

sexta-feira, agosto 11, 2006

PALAVRAS


Palavras, muitas vezes, punhais são
que ferem, cruelmente, impiedosas,
num mundo onde se vivem, sem razão,
ideias torturantes, caprichosas.

Ouvimos, também, outras qual canção
de notas afinadas, sonorosas,
que fazem companhia à solidão
das horas infindáveis e saudosas.

Amor, beijo, ternura certamente,
um todo belo é, se a alma sente
que são palavras certas e vividas.

Mas, no curso dos dias, há, porém,
ainda outras em que o mal contém
o veneno que mata as nossas vidas.

Anónimo

quinta-feira, agosto 10, 2006

AMOR E SAUDADE

Tal como dantes, quando o sol fulgindo,
Purpureava as folhas do arvoredo
E sob a verde sombra ias sorrindo,
Embebida num sonho doce e ledo

Vejo ainda a tua boca entreabrindo,
Como um botão de rosa, quase a medo,
E eu, enlevado num encanto infindo,
Urdindo a teia de amoroso enredo.

Porem tão mal urdida foi a teia,
Que por fútil motivo desmancheia-a,
Destruindo assim a felicidade;

E, certo dia, de olhos no sol posto,
Vi já distante a forma do teu rosto,
Entre a moldura roxa da saudade.


Alberto de Aragão

quarta-feira, agosto 09, 2006

ARMA SECRETA


Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não veio de nafta queimada,
nem é de água-oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na torre erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.


António Gedeão
N. 24-11-1906 _ F. 19-02-1997

AMENDOEIRAS FLORIDAS


Amendoeiras mimosas, bem floridas,
Com florações de alvura ou de rosado:
Vossa flor é promessa dum legado
Que ajuda a nutrição de nossas vidas.

De singular pureza revestidas,
Dos campos sois agora o mor agrado:
E após o vosso fruto sazonado
Sereis inda bem mais apetecidas.

Floridas, sois um hino virginal
De bicolor beleza __ rosa e neve;
Canção dos olhos, voz do coração.

Mas com seu fruto é que o amendoal
Pagará tudo quanto ao homem deve,
Dando alimento saboroso e são.


António Henriques

sábado, agosto 05, 2006

O MINUETE


Ao canto do salão, olhos vagos no espaço,
Ele em púrpura e ouro, ela empoada à francesa.
O senhor Cardeal e a senhora Duquesa
Assistem, conversando, a um sermão do Paço.

Marca Lucas Javini o solene compasso:
Dança o minuete de Hayda a côrte sua Altêza;
E os dois velhos, lembrando a antiga gentileza
E o tempo em que, amoroso, ele lhe dava o braço,

Balbuciam sorrindo um tímido segredo,
Escondem-se inda mais no biombo, quase a medo,
Como fugindo à luz da sala enorme e acesa.

E, quando um criado vem servir-lhes os gelados,
Surpreende a dançar, velhinhos e curvados,
O Senhor Cardeal e a Senhora Duquesa.

Julio Dantas
1876-1962

sexta-feira, agosto 04, 2006

SONETO


Se eu me vira num bosque, onde não desse
Sinal, vestígio humano de habitado,
De verdenegras ramas tão fechado
Que inda ali de dia anoitecesse;

Se então lá de ua balça ao longe houvesse
Gemendo um mocho, e tudo o mais calado;
Só dentre alguns rochedos pendurado,
Com som medonho, um rio ali corresse;

Enfim num lugar tal onde os meus dias
Consumindo-se fossem na certeza
De não tornarem mais as alegrias;

Faminta ainda a triste natureza,
Cercada ali de tantas agonias,
Nem então se fartara de tristeza.


João Xavier de Matos
N. entre 1730 e 1735 - F. em Vila de Frades em 1789

quinta-feira, agosto 03, 2006

AO AMADO AUSENTE

Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte
Se ausente da alma estou, que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.

Ah! suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?

Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.

Soror Violante do Céu
1602-1693

quarta-feira, agosto 02, 2006

LUÍS VAZ DE CAMÕES


Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões
nasceu 1524 ou 1525- f. 10-06-1580

terça-feira, agosto 01, 2006

CANDIDA E LAURA

Como no tanque de um palácio mago.
Dois alvos cisnes na bacia lisa,
Como nas águas que o barqueiro frisa,
Dois nenúfares sobre o azul do lago,

Como nas hastes em balouço vago
Dois lírios roxos, que acalenta a brisa,
Como um casal de juritis, que pisa
O mesmo ramo no amoroso afago...

Quais dois planetas na cerúlea esfera,
Como os primeiros pâmpanos das vinhas,
Como os renovos nos ramais da hera,

Eu vos vejo passar nas noites minhas,
Crianças, que trazeis a Primavera...
Crianças, que lembrais as andorinhas!...

Castro Alves
escritor brasileiro
N. 14-03-1847 _ F. 6-07-1871
conhecido como o
POETA DOS ESCRAVOS