segunda-feira, junho 30, 2008

A MORTE DE NARCISO

Numa tarde de cansaços, e de sonho doentio,
Quando as folhas sacudidas são saudades a voar,
Foi Narciso, aborrecido, para junto do seu rio,
Para junto do seu rio, ver as águas a passar.

Nunca vira noutros olhos os seus olhos graciosos,
Nem notara nos espelhos o encanto do seu rosto;
Não sentira nos seus dedos, seus cabelos ondulosos,
Nem sabia que os seus olhos têm a graça do sol-posto.

Foi Narciso para junto do seu rio ver as águas...
(Águas mansas como um sonho vagamente pressentido!)
Na esperança de um sossego que curasse as suas mágoas,
Ou de um sonho que encantasse seu espírito dorido.

Mas olhando, fixamente, para as águas deslizando
Sob o coro dos salgueiros onde os melros assobiam,
Mais atento, mais atento, foi nas águas reparando,
Nessas águas vagarosas que p'ra longe lhe fugiam...

É que vira desenhada sobre a face fugidia
Dessas águas do seu rio de tão doce e leve cor,
Linda imagem do seu rosto que de rosa se cobria,
Enleado de receio, todo cheio de pudor...

E a mirar-se de encantado, e a notar-se se ficou,
Como, preso de si próprio, se ficou enamorado...
Morre o dia, nascem trevas... e Narciso não deixou
Esse encanto que nas águas o retinha fascinado!

E na boca pervertida e enlevada que sorria,
O desejo de outra boca começou a corrompê-lo;
E Narciso de atraído por si próprio, não sentia
Que nas águas já poisava levemente o seu cabelo...

Pela imagem de si próprio dominado totalmente,
Pôs os lábios sobre as águas, no prazer de se beijar...
E sentindo-se arrastado pelas águas da corrente,
Quis seu corpo nos seus braços, nos seus braços abraçar!

E abraçou-se, longamente, no desvairo sem igual,
A si próprio, sobre as águas que o levavam murmurando,
De si próprio namorado, no desejo divinal
De a si mesmo, toda a vida, sem fadiga, se ir amando.

No outro dia, acariciado pelo vento, com amor,
Baloiçando-se de leve na corrente de água clara,
Viu-se o corpo de Narciso, seduzindo-sedutor,
Que, encantado de si próprio, se perdera e se matara!

Alfredo Pimenta

sexta-feira, junho 27, 2008

AO CAIR DA NEVE

Condenando o desalento
Disse o tempo e não desdisse,
O sol no seu movimento
É o bordão da velhice.

Se o espírito resiste
Ao tempo no seu labor,
A velhice é como a neve
Na pétala duma flor.

Sendo o violino afinado
Sob o ritmo da emoção,
A saudade do passado
Fala-nos no coração.

Maria Júlia de Sá Nogueira

sábado, junho 21, 2008

FAZENDAS DE ALMEIRIM


EL ESTÍO

HERMOSA fuente que al vecino rio
Sonora envías tu cristal undoso,
Y tu, blanda cual sueño venturoso,
Yerba empapada en matinal rocío :


Augusta soledad del bosque umbrío
Que da y protege el álamo frondoso,
Amparad de verano riguroso
Al inocente y fiel rebaño mío.

Que ya el suelo feraz de la campiña
Selló Julio con planta abrasadora
Y su verdura á marchitar empieza ;

Y alegre ve la pampanosa viña
En sus yemas la sávia bienhechora
Nuncio feliz de la otoñal riqueza.

Don José Joaquin de Mora

quarta-feira, junho 11, 2008

AMOR OCULTO

YA de mi amor la confesión sincera
Oyeron tus calladas celosías,
Y fué testigo de las ánsias mías
La luna, de los tristes compañera.
Tu nombre dice el ave placentera
Á quien visito yo todos los dias,
Y alegran mis soñadas alegrías
El valle, el monte, la comarca entera.
Sólo tu mi secreto no conoces,
Por más que el alma con latido ardiente,
Sin yo quererlo, te lo diga á voces;
Y acaso has de ignorarlo eternamente,
Como las ondas de la mar veloces
La ofrenda ignoran que les da la fuente.

Don Manuel del Palacio

terça-feira, junho 10, 2008

10 DE JUNHO

ENDECHAS A BARBARA ESCRAVA

Aquela cativa,
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas,
Me parecem belas
Como os meus amores:
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar;

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa;
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de amor!
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena,
Que a tormenta amansa:
Nela enfim descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões

domingo, junho 08, 2008

SONETO

Como esses bois que andam puxando às noras,
Em passo melancólico e ronceiro,
Sem alterar a marcha do ponteiro,
O meu relógio vai marcando as horas.

Quer no céu brilhem rutilas auroras,
Ou caia e morra o sol no mar fragueiro,
O tempo segue o curso rotineiro,
Sem paragens, sem pressas ou demoras.

Sómente quando o nosso olhar enxuto
Tem clarões de ventura fugidia,
Cada hora é mais curta que um minuto...

Mas nas horas de dor ou desengano,
Cada minuto dura mais que um dia,
E cada dia dura mais que um ano!

Alberto Bramão

sexta-feira, junho 06, 2008

EXISTÊNCIA

A única verdade que há no mundo
É eu ser a mentira permanente
De seguir num andar moribundo
Um saber de mim, descontente.

Ah, que vã gentileza, o amor profundo
Dar crédito a este sentir tão pertinente
Se o sol desaparece além, é poço fundo
E a luz da lua vem, e está tão ausente.

Mentira, é mentira tudo que me convém
Até no mar, aquela onda que me detém...
É mentira tudo...tudo que em mim sente...

Na mentira, só encontro enfim verdade
Que faz nascer em mim doce saudade
Existires!...teu existir jamais me mente!
Isa Cal

quinta-feira, junho 05, 2008

MENTIRA !


É mentira o que diz o pensamento
Porque é mentira o que o norteia e cria.
Mentira toda a dor do sofrimento
Como é mentira o riso da alegria.

Até no próprio Céu há fingimento
Porque a luz que nos doira e alumia,
Quando cai do azul do Firmamento
É só a noite a imaginar que é dia!

Mentira todo o amor que a carne inspira,
A comunhão das almas, é mentira,
Mentira que esta vida seja um bem.

No meio deste abismo vil, sem fundo,
A única verdade que há no mundo
È eu não ser igual a mais ninguém!

Maria Helena Duarte de Almeida