terça-feira, outubro 26, 2010

A MÃE

Há fogo numa casa, à beira do caminho.
O bom povo d'aldeia em ondas se aglomera;
com medo vão fugindo as aves para o ninho;
aumenta mais e mais a subida cratera.

Ouve-se uma voz rouca, em tom desesperado:
_«Oh! Salva-te, mulher! É livre ainda a porta.
Não sejas avarenta: o cofre pouco importa;
todo o valor que tinha eu tenho aqui guardado».

Branca como um fantasma, aflita, desgrenhada,
lá surge uma mulher daquela enorme chama,
levantando nas mãos o seu filhinho loiro,

que mostra à multidão atónita, pasmada;
e, fitando o marido, altivamente exclama:
_«Sou avarenta, sou! Contempla o meu tesoiro!»

Costa Alegre

sexta-feira, outubro 22, 2010

A FOLHA DO SALGUEIRO

Adoro essa mulher doce e formosa
Que à janela, a sonhar, vejo esquecida,
Não por ter uma casa sumptuosa
junto ao rio Amarelo construída...
_Amo-a porque uma folha melindrosa
Deixou cair nas águas distraída.

Também adoro a brisa do Levante,
Não por trazer a essência virginal
Do pessegueiro que floriu distante,
No pendor da Montanha Oriental...
_Amo-a porque impeliu a folha errante
Ao meu batel, no lago de cristal.

E adoro a folha, não por ter lembrado
A nova primavera que rompeu,
Mas por causa de um nome idolatrado
Que essa jovem mulher n'ela escreveu
Com a doirada agulha do bordado...
E esse nome... era o meu! _

António Feijó


domingo, outubro 17, 2010

A GALINHA DOS OVOS DE PRATA

Ti Ana, velha mulata,
entre outro bicos, tinha
uma soberba galinha
que punha ovos de prata.

Mas, punha um cada dia...
E, ti Ana, ambiciosa,
Deu-se a cismar cuidadosa
N'uma tão fraca ucharia!...

À força de madureza,
lá teve uma idéia, então:
_Se lhe dobrar a ração
também me dobra a riqueza...

E, dá-lhe tanto, a insensata
em trigo, milho e farinha
que rebentou a galinha
que punha ovos de prata!

Esquecera a boa mulher
Este preceito sisudo:
_Quem muito quer,
perde tudo!...

Luiz Trigueiros

terça-feira, outubro 12, 2010

CASTIGO ETERNO

Na vida, em que após esta se há-de entrar,
_ Dizem livros em que é forçoso crer, _
Têm uns a eternidade do sofrer,
Outros, a eternidade do gozar.

Pena e prémio, do mal, e do bem-fazer,
Conforme Deus tiver de nos julgar;
Pena e prémio, em que eu só posso ver
Dois castigos, que ponho par a par.

A graça de viver, eternamente,
N'um mundo etéreo, em divinal transporte,
Por séculos sem fim, constantemente,

Não é dita, que exceda a humana sorte...
Ao menos, para esta, a mão clemente
Do Eterno, fez o Sono e fez a Morte !

Fernandes Costa

sábado, outubro 09, 2010

GENTE PORTUGUESA

Costa de Portugal. costa formosa
Que o mar fremente vem orlar de espuma;
Largo horizonte, em que através da bruma
Surge sempre uma vela aventurosa !...

O Mar ! eterno mote, eterna glosa
Que as gerações nos cantam, uma a uma,
Em voz que algumas vezes se avoluma
Num grito de epopeia gloriosa !

Gente de Portugal ! o vosso olhar
Nunca sonhou, nem quis outra beleza,
Foi esta sempre que julgou sem par !...

Mais do que a terra, mais do que a riqueza,
É o Mar infinito, é sempre o Mar
O grande amor da gente portuguesa !...

Maria de Carvalho

terça-feira, outubro 05, 2010

O POVO VENCEDOR

O povo portuguez, que em seu rancôr
Não recua, como a féra sempre avança,
Tem meiguices, ternuras de creança,
Tratado com carinho e com amor.

Em fazer Caridade não descança;
Sente em fundo pranto, a alheia dôr;
Irado, vae mais alto que o condôr,
Serêno, é manso como a pomba mansa.

Agora que a cruzada do Direito
Quiz ganhar, bateu-se, peito a peito.
Na lucta sanguinaria, com firmêza.

E nada mais pretende, ao mundo inteiro
Mostra seu valor civico e guerreiro
Está contente e... canta a «Portugueza».

5 de outubro de 1910

José Osorio


in: Correio da Extremadura, de 15 de Outubro de 1910

poema retirado com a devida vénia do CORREIO DO RIBATEJO
de 1 de Outubro de 2010, pagina 18