quinta-feira, julho 31, 2008

DOR INFINDA

Tudo esmorece e passa nesta vida,
Onde só há firmeza na mudança,
E onde o homem se abraça a uma esperança,
Mal vê outra esperança já perdida.

Passam no mar as ondas, de fugida,
Passam os vendavais, passa a bonança,
Passa a alegre inocência da criança
E a cólera da fera enraivecida.

Passa o brilho do espírito e dos olhos,
Passam do corpo a formosura e a graça,
Passam o viço e os bálsamos da flor...

Como as carícias, passam os abrolhos,
Só esta minha dor é que não passa,
Passando cada vez a ser maior.

Eugénio de Castro

domingo, julho 27, 2008

O PASSADO

Na memória do tempo recordado...
Na saudade do mundo eternamente...
O Passado é a alma do Presente
Na alma do Futuro eternizado...

Mas... como o Tempo volta iluminado
De esp'rança, e a Vida vai-se descontente
Por toda a eternidade... nós somente,
Afinal, é que somos o Passado!

_Árvore eterna... a vida a renovar...
E a seiva antiga, alimentando a gente,
Enflora o velho Ideal no coração...

A reflorir do tronco secular,
Nos ramos ressequidos do Presente,
As flores imortais da tradição.

Maria Isabel da Camara Quental

sexta-feira, julho 25, 2008

SONETO

Saudade é querer viver o já vivido,
Querer amar e ter amado já...
Sentir o coração anoitecido,
Querer beijar a luz que o sol lhe dá.

Saudade é ver fugir o bem perdido,
Não podendo ir com ele onde ele vá;
Ai saudade afinal é ter nascido
Na certeza que a vida acabará!

Horizontes sem fim, novas paisagens...
Saudade é vago espelho onde as imagens
Têm vida para além da realidade.

Saudade é tudo enfim que me rodeia;
Um relevo de passos pela areia;
A morte, a vida, o amor; tudo é saudade...

Anrique Paço d'Arcos

quarta-feira, julho 23, 2008

SAUDADE

Ontem, abri o cofre onde guardara
As flores que me deste noutra idade:
Rosas, cravos, amores e a saudade
Que, um dia, no meu peito, descansara.

E todas, numa fúnebre igualdade,
A acção do Tempo em cinzas transformara;
E o seu doce perfume se evolara
Como se evola a nossa mocidade.

À maneira que as cinzas revolvia,
Quanta lembrança à ideia me ocorria,
Das ilusões que o Tempo desfolhou!

Mas, entre aquele pó inexorável,
Só a saudade estava inalterável,
Como quando em meu peito descansou...

Espínola de Mendonça

quarta-feira, julho 16, 2008

UM RELOGIO

Um relógio faz-me medo:
__Cada minuto que passa
encerra sempre o segredo
da ventura ou da desgraça!

Sofrer traduz mau saber,
Não sofras, homem sisudo:
__Deixa a vida resolver
que a vida resolve tudo!

Silva Tavares

domingo, julho 13, 2008

DIVAGANDO

No cabo tenebroso em que vagueia
Meu espírito em busca de ilusões,
Esboça-se, de leve, uma esp'rança,
Que depressa se esvai como as visões.

E a Sorte sorri, cínicamente,
Lançando na minha alma o desalento,
Partindo, bruscamente, um ideal,
Que eu tinha a nortear-me o pensamento.

Nas trevas do mistério, o meu espírito,
Lá vai rolando, envolto na voragem,
Vencido pela sorte, aniquilado,
Sem achar a ilusão d'uma miragem.

Azevedo Coutinho

quarta-feira, julho 09, 2008

ODE À MÃE-TERRA



Minha terra flor minha flor menina
Com sabor a gente a sol a campina

Recordo o azeite o trigo a que cheiras
Nas mágoas que são as mais verdadeiras

A nora a toar no viço das hortas
Canções de viver as horas já mortas

Lábios de mulher bocas de ganhão
Pensam beijos bons que sabem a pão

Saudade que vem de velhas cantigas
No eco da voz doutras raparigas

Na erva e no ar do campo sagrado
Que se entrega todo à luz do arado

A aldeia se faz de coisas perdidas
Cartas de um amor que foram esquecidas

Não te trocarei por outra isso não
Que é sempre mais teu o meu coração

Depois logo irei de novo encontrar
Um adro feliz para se beijar

E neste desejo e neste meu jeito
Desperto o amor que dorme no peito.

Augusto Barreiros

Correio do Ribatejo nº 5272 de 15 de Maio de 1992, pag. 28

sexta-feira, julho 04, 2008

HORA EXTREMA

Não choreis os que morrem! São forçados
Que, partindo os grilhões da geena escura,
Largam enfim libertos, descansados,
Em busca do Castelo da Ventura.

Os que ficam são como desterrados
N'uma ilha de luto e de amargura.
Da morte os longos braços regelados
Tem mais encanto e bem mais doçura.

Não há no mundo hora mais sentida
Do que essa em que se apaga a luz da vida
N'um tremulante e rápido clarão.

Eu te saúdo e espero e te requeiro,
Hora augusta do Transe Derradeiro,
Hora suprema de libertação.

Campos Monteiro

quarta-feira, julho 02, 2008

WILLIAM SHAKESPEARE

SONETO
XXXI

Teu peito enriqueceu de corações
Que eu, por não ver, supunha já parados;
Lá reina Amor, em múltiplas feições,
E amigos que eu julgava sepultados.

Que lágrimas tão santas, de homenagem,
O amor dos olhos meus já fez brotar,
Prestando a esses mortos vassalagem,
Que posso, em ti escondidos, encontrar!

És túmulo onde vive o amor sepulto,
Repleto com troféus dos meus amores,
Que já te deram, em devido culto,
O muito de que outrora os fiz senhores:

Em ti vejo as imagens dos que amei,
E porque és todos, já a ti me dei.

William Shakespeare
Tradução de
Maria do Céu Saraiva Jorge


Soneto 31(castelhano)

Tu seno se ha hecho fuerte, con esos corazones,
que porque me faltaban, ya muertos suponía.
Allí reina el Amor y todos sus tributos
y los dulces amigos, que enterrados creía.

¡Cuántas lágrimas santas y fúnebres lamentos,
han robado a mis ojos un religioso amor,
como ofrenda a los muertos, que aparecen ahora,
como cosas remotas, que en ti, yacen ocultas!

Tú eres tumba que guarda mi sepultado amor,
ornado con trofeos, que fueron mis amores
y que de ti me dieron, todo lo que tenían
y lo que fue de muchos a ti te pertenece.

En ti veo las caras de los que más amé
y tú, con todos ellos, me poseéis entero.

(desconheço o tradutor)



Sonnet 31

Thy bosom is endeared with all hearts,
Which I by lacking have supposed dead,
And there reigns love and all love's loving parts,
And all those friends which I thought buried.

How many a holy and obsequious tear
Hath dear religious love stol'n from mine eye
As interest of the dead, which now appear
But things removed that hidden in thee lie!

Thou art the grave where buried love doth live,
Hung with the trophies of my lovers gone,
Who all their parts of me to thee did give;
That due of many now is thine alone:

Their images I loved I view in thee,
And thou, all they, hast all the all of me.

William Shakespeare