segunda-feira, janeiro 29, 2007

VISÃO

......................................
Não és real. Para o seres
Não foras, ó flor, tão bela;
Se à mente Deus te revela,
Não te cia o mundo, não.
Vegetas no peito do homem,
Mas não há viçoso prado
Onde te beije embriagado
O sopro da viração.

Julio Dinis

QUEM ERA ?

Em volta olhei... a ver se oculto via
Alguém que de meus olhos se ocultava:
__Voz carinhosa o coração ouvia...
__Voz carinhosa ao coração falava...

Voltei a olhar... e vi que me enganava !
Mas sempre o mesmo engano me iludia :
__Voz carinhosa ao coração falava...
__Voz carinhosa o coração ouvia...

Ansiosa, então, e sempre e mais olhando,
Sem nada ver, meu Bem, certeza eu tive
De que eras tu e a tua voz falando :

Tu _ minha Vida ! Tu _ minha Esperança !
_Falando na saudade que em mim vive,
Vivendo no Amor e na Lembrança.

Maria Isabel da Camara Quental

sexta-feira, janeiro 26, 2007

SONETO

Na lira do Poeta evocador,
A mão não ponha, temerariamente,
Quem dentro d'alma não sentir amor,
Quem desconheça a fé, quem for descrente.

Ódios, invejas, mísero rancor...
Quem tais venenos a miná-lo sente,
Não aspire a colher do verso a flor,
Não queira ser Poeta, porque mente!

Dê antes à poesia o seu desdém,
(Outro modo, também, de a venerar);
Pois aquele que nela os olhos tem,

E dela a glória quer, e a quer honrar
Por norte deve ter o Belo e o Bem;
E por divisa eterna: Crer e Amar!

Fernandes Costa

quarta-feira, janeiro 24, 2007

ROSEIRAIS FLORIDOS


Quando ela regressou, depois de longa ausência,
Floriam roseirais à beira dos caminhos.
Cantavam no arvoredo alegres passarinhos
E vinha dos jardins uma suave essência.

Nuvens como algodão, tão leves como arminhos,
Marcando o azul do céu, de lírica opulência.
Saudava-a a natureza, em festa e na eloquência
Da tarde ensolarada e a música dos ninhos.

Quando ela regressou, fulgia na retina
Dos seus olhos de treva a lágrima divina
Nas horas de prazer, das emoções de dor.

Tudo cantava, então, tudo em torno sorria.
Ela só, tão feliz, chorava de alegria,
E o coração, baixinho, a segredar-lhe amor.


Castanheira Filho

segunda-feira, janeiro 22, 2007

NUM ALBUM


Se exigirem perfumes às flores
P'ra tecerem com elas grinaldas,
Não procurem do monte nas faldas
A modesta e inodora cecém.

Se igualmente desejas, amigo,
Para aqui mais que versos, poesia,
Antes deixes a folha vazia,
Pois meus versos poesia não têm.

Júlio Dinis

domingo, janeiro 21, 2007

NUM ALBUM


Brisa que voas em constante giro.
se vires o meu bem,
passa por ele e deixa-lhe um suspiro...
mas não digas de quem!...

Se conheces, ó noite, a minha estrela,
a luz do meu viver,
vês que é justo morrer de amor por ela...
mas não lho vás dizer!...

Porém, tu, rosa branca de inocência,
alma pura de flor,
dize ao vento que tome a tua essência
e a leve ao meu amor!...

Fernandes Costa

sábado, janeiro 20, 2007

A VIDA

A alvorada foi risonha;
Ergueste-te com o dia.
Eu fiz, naquela alvorada,
Uma alegre profecia.
.
Inda radiava fulgente
Vénus, a saudosa estrela,
Já tu ornavas as tranças
E cantavas à janela.
.
E dos laranjais vizinhos
Os rouxinóis acordados
Respondiam-te com trinos
Da tua voz namorados.
.
Dos virentes jasmineiros,
Que a primavera enflorava,
Vinha cheio de perfumes
O vento que te beijava.
.
Quem dissera então ao ver-te
Nessa risonha alvorada,
Que á noite, estrela cadente,
Serias inanimada ?
.
1870
Júlio Dinis

quinta-feira, janeiro 18, 2007

VIDA

Um dia encontrei-a só, naquela estrada
Na dura caminhada, tão triste e sombria
Qual pedra mais que pelo tempo pisada
Sentindo um vazio por dentro, Ela lá ia.

Nas malhas apertadas passavam centelhas
De fogo e chama, numa fúria perdida
Momentos breves de faces vermelhas
Chorava as quimeras, sentia-se esquecida.

E troquei com Ela, o meu maior segredo
Partilhei com Ela, o meu grande medo
E dei-lhe a mão, acompanhei-a sentindo

Olhou para mim, estava enfeitada de luz!..
Contaminou meu tempo, que agora seduz
E beijou o meu espaço, que a tudo conduz!...

Isa. Cal.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

A VIDA

É a vida passagem transitória,
meteoro que tange o firmamento,
fogo fátuo que dura um só momento,
coisa fútil, fantástica, ilusória?

Dilata a vida só quem tem a glória,
o mérito, o saber e o valimento
que lhe dão aso de tomar assento
na tradição vulgar ou na História?

História, tradição, merecimento, que são?
Palavras vãs que o entendimento
e a razão clara ofuscam como véus!

A Vida é o Infinito, é a Verdade,
é o Amor, o Universo, a Eternidade,
espírito e matéria, o próprio Deus.

Francisco Pedro Cândido

terça-feira, janeiro 16, 2007

A VIDA


Levo a vida a trabalhar
a ela tenho amor e fé.
Penso e não sei desvendar
como a própria vida é.

Ela passa velozmente...
por vezes custa a passar.
Por ela me fazer frente
levo a vida a trabalhar.

Não lhe conheço a razão,
sou na vida um bébé.
Nesta pura ilusão
a ela tenho amor e fé.

Vejo o mundo a meter medo
num intuito de matar.
Nesta vida em segrêdo...
penso e não sei desvendar.

À boa maneira de ser
quero eu estar ao pé,
mas nunca chego a saber
como a própria vida é.

Luís Afonso dos Santos

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A VIDA

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.

Em se ela anuveando, em a não vendo
já se me a luz de tudo anuveava;
despontava ela apenas despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.

Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura !

Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram...

João de Deus
1830-1896

domingo, janeiro 14, 2007

A VIDA

A vida é o dia de hoje,
a vida é ais que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-o o vento,
a vida é folha que cai !
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida __ pena caída
da asa de ave ferida __
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou !
..........................................

João de Deus
1830-1896

sábado, janeiro 13, 2007

CREPÚSCULO

Vai morrendo o sol em lenta agonia.
Lilases e oiro... Que lindo o horizonte!
Olho a natureza, e pende-me a fronte
Nesta hora triste de findar do dia.

Que melancolia na suavidade
Da meia luz dest'hora suprema!
Hora bendita de beleza extrema!
Hora dolente! Hora de saudade!

Hora de sonho! Hora de emoção!
Recordo os momentos, em que me sorrias...
Os sinos tangem as Avé-Marias.

Minh'alma ajoelha recolhida em prece
Evoca Deus e mais se enternece
Cheia de fé na sua oração!

Hersília Paes Falcão Santos Silva
(Hera)

sexta-feira, janeiro 12, 2007

SONHOS


Sonhando, chorei. Sonhava
Que morta te estava a ver.
Acordei: ardentes lágrimas
Senti nas faces correr.

Sonhando, chorei. Sonhava
Que tu me querias deixar.
Acordei: amargamente
Fiquei depois a chorar.

Sonhando, chorei. Sonhava
Que esse amor ainda era meu.
Acordei. Corre o meu pranto
Como ainda assim não correu.

Abril de 1864
Julio Dinis

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O BRASIL


Pára! Uma terra nova ao teu olhar fulgura!
Detem-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em carícias se muda a inclemência das vagas...
Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura!

Treme-te a voz afeita às blasfémias e às pragas,
O' nauta! Olha-a, de pé, virgem morena e pura,
Que aos teus beijos entrega, em plena formosura,
__Os dois seios que, ardendo em desejos, afagas...

Beija-a! O sol tropical deu-lhe à pele doirada
O barulho do ninho, o perfume da rosa,
A frescura do rio, o esplendor da alvorada...

Beija-a! é a mais bela flor da Natureza inteira!
E farta-te de amor nessa carne cheirosa,
O' desvirginador da Terra Brasileira!

Olavo Bilac

quarta-feira, janeiro 10, 2007

VARIAÇÕES D'UM TEMA

És a luz dos meus olhos, não nego ...
Mas não repares em mim
Se acaso um dia, enfim
Ao passares por mim me fizer cego.

Hoje sem ti eu muito a custo vivo
Privado um só minuto dos teus beijos,
Aparece d'aqui a sete séculos
Quando findar a febre dos desejos.

João Clímaco

segunda-feira, janeiro 08, 2007

PRIMAVERAS


Na quadra dos poetas e das flores,
em que as manhãs são belas e formosas,
em que o infindo céu é imaculado,
como um véu transparente de noivado,
surgem também às vezes nebulosas.

Como na doce e etérea primavera
na minha mocidade tão querida,
tenho gozado célicas venturas
e também já sentidas amarguras
a anuvearem minha curta vida.


Julio de Rosiers

sexta-feira, janeiro 05, 2007

A POMBA E A RAPOSA

A POMBA E A RAPOSA
(Fábula)

Sobre uma ameixeira em flor,
certa pomba, muito branca,
chora tristezas d'amor!
Do seu peito a mágoa franca
irrompe em caudais de dor,
e a paixão mil ais lh'arranca
sobre uma ameixeira em flor...

Pela estrada, caminhando,
vai raposa mui matreira
que ao vê-la triste, chorando,
ao ouvir a choradeira
fita a pomba, e, mesmo andando,
fala-lhe, d'esta maneira ,
pela estrada caminhando.

«_Sobre essa ameixeira em flor
porque choras minha bela ?
o que motiva essa dor
ave pura, ave singela ?»
«_Eu choro penas d'amor,»
baixinho, lhe responde ela
sobre uma ameixeira em flor.

Ao que a outra, caminhando,
diz: «_Com que então não te deixas
d'asneiras ?!» E ri, tornando:
«_D'amor!... Phu!... Cala tuas queixas...
e olha... vai-te consolando
a tasquinhar nas ameixas...»
...........................................
E continuou caminhando...


Anónimo

terça-feira, janeiro 02, 2007

NO OITAVO DIA

Quando Deus formou o mundo
Levou isso d'empreitada
E dormiu sono profundo,
Julgando a obra acabada.
Porém ao oitavo dia
Acordou sobressaltado
E pensou que não podia,
Dar tudo por terminado.
__«Creei a Eva e o Adão
«Um primeiro outro depois,
«Mas falta-me a conclusão
«P'ra completar bem os dois.
«A mulher, precisa amor
«Que é condição natural
«D'este ente feito a primor
«A que tornei divinal.
«O Adão, é bom rapaz,
«Um homem completo puro,
«Mas como versos não faz,
«Preciso ter no futuro
«Um outro homem qualquer
«Que d'amor tocando a meta
«Possa cantar a mulher.»
E Deus formou o poeta !
Deu-lhe um cérebro repleto
D'amor, a sublime essência,
Fê-lo um palerma completo
Tendo apenas a ciência
De rimar, rimar a esmo,
Sempre nos versos pateta,
O mais perfeito seresmo;
Enfim em tudo um poeta,
E por ser no oitavo dia
Em que Deus o fabricou
Talvez porque não podia,
Pateta o vate ficou ! !

Eduardo Coelho

segunda-feira, janeiro 01, 2007

VELHAS ÁRVORES

Olha estas velhas árvores, __ mais belas
Do que as árvores môças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o inseto à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E a alegria das aves tagarelas...

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consôlo aos que padecem!


OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins da Silva dos Guimarães Bilac
Nasceu no Rio de Janeiro em 16/12/1865
Faleceu no Rio de janeiro em 28/12/1918)