domingo, março 23, 2014

SONETO

Quem no mundo não tem uma ilusão,
Quem a terra não sente estremecer,
E nas fragas bater um coração,
Quem nas fontes só água vê correr,
    
Terá uma vida calma, sem acção,
Qual onda sem desejo de crescer;
Qual estrela sòmente escuridão,
Que nenhuns olhos tristes podem ver.
    
Eu quero as tempestades do oceano,
Sentir, no peito, o fogo lusitano;
A dor da vida, em mim, quero sentir!
    
Quero a branda tristeza na alegria,
No sol nascente a definhar do dia,
Na sombra escura, a luz que há-de surgir!
 
        Maria de Carvalho

sábado, março 08, 2014

ELOGIO DA VIRGINDADE

Não, não é uma jóia pela qual se paga.
É só a primeira vez de alguma coisa enorme
que envolve o prazer e não envolve o prazer
porque a ciência do prazer é ela mesmo prazerosa.
Também não é a marca sem a qual tudo perde
a legitimidade e o valor consequente.
Não é nada melhor nem pior do que nada.
 
Mas é um minuto, o minuto antes de,
quando a gente está vivo e frui a vida
e ainda não sabe o quanto ela se guarda.
 
Não ignoro o relativo resistir de uma membrana
e todo o lado trágico que isso trouxe à História.
Não ignoro o perigo de supervalorizáa-la;
mas ressalto o perigo de não lhe dar valor nenhum.
Antes você não sabia de nada, você só sabia
que havia alguma coisa que você quase ignorava.
Agora houve uma dor perfeitamente suportável
e um pequeno prazer perfeitamente suportável.
O melhor vem depois. Mas isto, a descoberta,
a promessa de novas e infinitas angústias,
o começo de um caminho que findará na morte,
isso, meu bem, não dá pra perder calmamente
no banco posterior de um automóvel.
 
Renata Pallottini