quinta-feira, agosto 22, 2013

BANDEIRA DE VIDRO

Este cinzel cintila na surdez
     e à prova de bala vidra um sulco
     e sintoniza a pedra, só petri-
     fica o som d'asa a voar no vulto

     Em trabalho de parto, plantador
     de níveis, flores de níquel, anuncia-
     dor de perto, sim, cada vez mais perto
     último dia a dia cinzelado a vidro

     Eis o escultor perante o estilo sacro
     do gesto bem delineado, augusto
     grilo no goivo em manhã de junho:
     agrimensor do anjo subterrâneo

     Ecoa, do incêncio modelado em bruto,
     som a água do pólo, um som gratuito

                       António Barahona    

terça-feira, agosto 20, 2013

O AMOR E O TEMPO

Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante,
E o Tempo acelerava o passo.

__Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»

Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
__«Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» __Nesse momento,

Volta-se o Amor e diz com azedume
__«Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!»

António Feijó

segunda-feira, agosto 19, 2013

UM MELRO CANTA

Um melro canta nalgum verde ramo,
   Ou talvez seja apenas eu que sonho,
   de uma grinalda de hera coroado,
   outra vez moço, esbelto e vigoroso,
   a minha flauta antiga estar tocando.

         Armindo José Rodrigues

quinta-feira, agosto 08, 2013

ELEGIA ABSTRACTA

Os sinos tocam como na minha terra; o campo
é verde, o mar, menos azul talvez:
como um corpo outro corpo possuindo.
Tu não estás aqui, e, se estivesses,
talvez eu não ouvisse os sinos, nem o campo
e o mar, esta baía, arfando, lembrariam
aos meus olhos, que se perdem vendo-os,
outro verde e outro azul como amantes amando-se.
Tu não estás aqui, nem sabes _ oh divina! _
que os sinos tocam só porque
o campo verde e o mar azul somos nós dois.
Há quanto tempo esta paisagem, noutra terra,
foi eu estar lá e tu comigo, a minha mão cingindo
o teu ombro? E isso foi quando, em que dia,
em que manhã, como esta, de Setembro?
Onde estarás agora? que outro mar
bebe os teus olhos, contemplando-os?
Ou sou eu que te invento _ já morta _
no campo verde, e o mar beijando-o, uma baía
fálicamente avançando pela terra dentro?
_ Os sinos existem, e tocam; ouço-os!
O campo, o mar _ inventei-os, talvez...

Pedro Laureano Mendonça da Silveira 

quinta-feira, agosto 01, 2013

ROTEIRO

Sigo um roteiro que é todo pardo,
no fusco céu deste janeiro tardo.

Às vezes saio à tonta, às vezes berro,
com um amor caprino ruminante,
fingindo que neste pasto onde me enterro
nascem capins de teu cabelo esvoaçante.

E se por vezes redobro o meu empenho,
aí é que me perco e me embrenho.

Geraldo Pinto Rodrigues