domingo, novembro 26, 2006

OS OLHOS ABERTOS PARA O NADA



Tendo os olhos abertos para o Nada,
O Nada cresce pavorosamente;
E mais olhando, mais petrificada
nos fica a alma __ em Nada permanente.

E o Sol e o Tempo já não contam nada,
e a Luz e a negridão passam à frente;
O Amor e a Terra __ cinzas de abalada,
flores do Nada, gélido poente . . .

Nascer, abrir os olhos, ver e crer,
sorrir, amar e ter desilusões . . .
Das cinzas em esperança renascer;

Guardar mistérios, suaves ambições,
Saber, Sentir, Sofrer... e por fim ter
em Tudo __ O NADA __ só limitações!

Helena de Carvalho

sábado, novembro 25, 2006

LANTERNAS



Na aspiração de encontrar seu grande amor
Os poetas desesperam com sentida dor
Trazem acorrentados ao seu próprio louvor
Os desejos fundidos, do seu querer e furor.

Se alguma outra lanterna numa hora seduz
Que lhes dá ao delírio caminho alguma luz
Logo, logo no tempo em sombra se traduz
Porque eles respiram a sua, a própria cruz.

Luz que rima na poética fantasia
Lanterna que se acende noite e dia
Nem assim a alma lhes acaricia…

Porque os poetas são almas magoadas
Eternamente luz, cegamente encandeadas
As próprias sombras, de amor encantadas!

Isa. Cal.



sexta-feira, novembro 24, 2006

A LANTERNA DE DIÓGENES


Erguei até à fronte em noite escura,
Duma lâmpada acesa, a luz arfante.
Em torno a vós, baila uma sombra escura
E a luz vai projectar-se para avante.

Sustendo a lâmpada a igual altura,
Correi depois para essa luz brilhante;
A treva, aos vossos pés corre segura,
E a luz sempre a fugir, sempre distante...

Poetas ! Eis aqui simbolizada
Na sombra, a nossa mágoa inominada,
Na luz, o além, como um clarão no mar...

Na sombra, a permanente, a eterna dor,
Na luz, a aspiração dum grande amor
Que nunca, nunca havemos de alcançar...

Augusto Gil
-
Lordelo do Ouro-Porto 31 de julho de 1873
-
Guarda 26 de Novembro de 1929

quinta-feira, novembro 23, 2006

SUPLICA

Eu quero um beijo
d'esses teus lábios...
Vá : __ entreabre-os,
eu quero um beijo.

Esses teus lábios
abre-os um beijo, __
rubro desejo, __
um beijo abre-os ...

E logo, incerto,
mostram aos sábios
um céu aberto ...
__ por entre os lábios !

__ Vá : entreabre-os,
eu quero um beijo.

Herculano da Fonseca

terça-feira, novembro 14, 2006

A SAUDADE


A flor mais negra que em jardins viceja,
Suave e triste, que se esquiva à luz,
Deram-lhe um mágico e sublime nome __
O da saudade que o sentir traduz.

em terras áridas que a plantem, vive,
Sem ter cultura a vigorar cresceu ;
Roubada ao tronco que a nutriu, não murcha,
Nem perde a cor que do pesar nasceu.

Mais bela ainda a reviver se mostra,
Com langudêz no doce aspecto escrita ;
Brando o perfume, suaviza o pranto
Que absorve e colhe, quanto mais o excita.

E sem ter brilhos de esmaltadas cores
É da amizade, simpatia, amor,
Supremo encanto que em tributos paga
Honra à memória na tristeza e dor.

Acha-se às vezes do cipreste à sombra
E ali os vivos a chorar conduz ;
Vê-se das lousas entre a hera e goivos
Presa nos braços da marmorea cruz.

Diz a saudade os sentimentos vários
Que a mágoa nutre e que o prazer nos dá ;
Pendida, lúgubre, atormenta e aflige,
Suave e meiga, suspirar fará.

Exprime quantas afeições e esp'ranças
Um peito guarda nos mistérios seus ;
Levanta o véu que um pensamento encerra
Na muda prece que se eleva a Deus.

O gelo e o vento que outras murcha e seca,
Fanar não pode tão modesta flor ;
O que elas todas reunindo exprimem,
Não vale o que esta só dirá d'amor.

Não vale ! ai ! não ! nem a beleza d'essas,
Se iguala àquela de tão simples graça,
Nem mesmo a rosa que a vaidade ostente
Na cor e aroma que encantar nos faça.

A rosa é frágil, seu reinado é curto,
E à mão das damas vai rival morrer,
Quando na sala ao doudejar das valsas
No chão perdida vai pisada ser.

E morre e a dama que a levara ao baile,
D'ela esquecida a conversar sorri ;
Rainha fora nos jardins mais belos,
Escrava humilde se abatera ali.

Mas a saudade que o respeito infunde,
Não vem das festas figurar à luz ;
Vive nos peitos escondida e triste,
E ao pé das campas onde alveja a cruz.

Francisco Serra

FELICIDADE !

Amar-te ! eis o meu norte, ó pudibunda estrela,
Que brilhas tão formosa irradiando amor,
A minha vida é tua, e tua só ó bela,
Ó lírio imaculado, ó deslumbrante flor.

Por ti anseia e pulsa o pobre coração,
que dentro do meu peito enamorado está,
Por ti jamais se cansa a imaginação,
A pintar ideais, ó meigo sabiá.

Oh ! como sou feliz, posso eu deixar de sel-o ?
Ao ver desabrochar a c'rola de teus lábios,
Que encerra o teu segredo, ó céus ! ouvir dize-lo !...
Prazeres assim não há, só a minh'alma sabe-os !

Oh ! não duvides, crê, ó virgem sedutora,
Meu peito com verdade, aqui eis se descerra ;
Do meu sincero amor és candida motora,
Só tu és o meu céu, e anjo, aqui na terra.

Julio da Costa Braga

domingo, novembro 12, 2006

QUERIDA

Querida!
Oh, como é bom poder chamar-te assim!
Que doce enlevo me envolve e alegra
quando tu te encontras junto a mim!

Querida!
Meus lábios tremem ao chamar por ti
pois meu amor é bem igual àquele
que nos teus queridos olhos sempre li!

Querida!
Que mais podemos do mundo desejar
se o nosso amor é belo e sublime
e até à Eternidade irá durar?

Que doce enlevo me envolve e alegra
quando tu te encontras junto a mim!
Oh! Querida!
Como é bom poder chamar-te assim!

Jaime de Castro

sábado, novembro 11, 2006

DE TARDE

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol so via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

Cesário Verde
1855-1886