terça-feira, abril 19, 2016

PERSEGUIÇÃO

O  que eu persigo não me podes dar:
     mas, ao ver-te, vislumbro a minha morte
     de perfil, contra o mar e o vento forte
     naquela tarde em que vieste amar-
     -me solitário, obsessivo e pobre
     
     O que eu persigo, impossível d'alcançar,
     és tu, nesse momento de dizer: «Conheço-te?.
     que tento eternizar a breve transe sobre
    a árvore na alta copa a clarear:
     «Morte, vem a meus braços: eu amo-te. eu amo-te !»
     
     O que eu persigo não se pode nomear:
     perfeitamente espírito em leque
     de cabra do deserto a tropeçar
     no sangue e a morrer de sede a saque
     
                    António Barahona da Fonseca

domingo, abril 10, 2016

CASA ONDE EU NASCI

Era minha esta casa... Eu a conheço...
Janelas amplas... larga porta... a escada
por onde, em pensamento, agora desço
para ir sonhar à sombra da latada.

O laranjal cheiroso, o mato espesso...
o poço onde era a roupa bem lavada.
No pátio, bem no centro, eu não me esqueço,
a amendoeira por meu pai plantada.

Dava guarda ao portão um jasmineiro
que de flor se vestia o ano inteiro
e hoje está triste e velho como eu.

Casa velha! Deixaste de ser minha...
Assim, tudo que amei, tudo que eu tinha,
deixou, há muito tempo, de ser meu!

    
Lilinha Fernandes

sexta-feira, abril 08, 2016

BALADA ...

BALADA AOS OLHOS  AZUIS SIDERAIS DUMA INGLESINHA

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O nevoento céu de Inglaterra
Só traja de outonal melancolia,
__E o céu azul sempar da minha terra,
Nos seus olhos é o céu duma elegia !
     
Quantas saudades,, minha doce inglesa,
Boiam no azul desses seus olhos, quantas !
__Dos seus olhos cheiínhos de tristeza, 
E de resignação, como os dos santos.
     
Sob o oiro casto dos cabelos louros,
Que transparente e humilde olhar, o seu ! 
__Olhos de Cristo, siderais tesouros,
Sois duas gotas límpidas do céu !
     
Cinge o oval, tão clássico e tão puro,
Do seu rosto, uma auréola de perdão...
_E o seu vestido, _sempre o mesmo " _escuro,
Veste de luz também meu coração !
     
Em seus olhos de prece e de veludo
Passam rezas de mágoa e de saudade:
_Queixume vago e doloroso e mudo,
Duma inviolada e estéril mocidade !...
     
Assim humildes como os das crianças,
Dão.me a impressão, seus lindos olhos, Miss:
De serem viuvinhos de esperanças,
Olhar que só p'ra  não choras sorrisse !
     
                      Américo Durão 

 

domingo, abril 03, 2016

NA VÉSPERA ...

É noite velha e triste, por sinal;
Eu v^-lo ao varandim que dá pró mar...
Como se casa bem com o meu mal
A tristeza da noite sem luar !...
     
Eu vê-lo... E fito triste o areal
Que às vezes uma vaga vem beijar :
Beijos de Amor. Mulher, eis o Ideal
Que à natureza eu tenho de invejar !...
     
E como é grande o meu tromento crê.
E como eu sofro ao ver de mim ao pê
Os beijos que o Mar dá cheio de ardor.  
     
É noite sem luar. É noite triste.
Vou partir. Mas que importa se inda existe
Em minha Alma o luar do teu Amor ?
     
                         Salema Vaz

sexta-feira, abril 01, 2016

JORGE DE SENA

JORGE DE SENA

ao Manuel Poppe


Eis-te no porto em que o desejo cessa.

Viveste pouco e no entanto tanto!

O exílio sofre-se só se é promessa

De novo e revisitado canto.

A distância isola. A coragem cansa.

O trabalho, ó teu único repouso!

Há na tua força a ternura mansa

Dos gigantes. Mas como ter o gozo,

A inocência nua de viver-se

Na pátria antiga e fácil da amargura,

Se não há nela espaço p'ra morrer-se

E o nosso canto lá se desfigura?


Eugénio Lisboa

Londres, Fev. 1979