quinta-feira, fevereiro 25, 2016

VILANCETE

Bem vês ... amor e ventura
Só existe, por desgraça,
Na lei da hora que passa.
     
Mal existe hora presente,
Porque sendo hora chegada
Fica logo hora passada,
Na saudade que pressente...
Hora perdida, apagada,
Que no tempo se espedaça...
Hora breve, hora que passa !...
     
Mal existe hora presente,
Por isso amor ou ventura
Tão pouco persiste e dura...
E por isso é mais ardente
Aquela estranha tortura
E mais forte aquela graça 
Que está na hora que passa !...
     
Mal existe hora presente,
Hora de amor, de alegria;
Mal existe cada dia
Que outro dia nos desmente !...
_E o que esta hora nos cria,
Que outra hora nos desfaça,
É lei da hora que passa !
     
              Maria de Carvalho

terça-feira, fevereiro 16, 2016

CERTA VOZ NA NOITE, RUIVAMENTE

Esquivo sortilégio o dessa voz, opiada
Em sons cor de amaranto, às noites de incerteza,
Que eu lembro não sei de Onde _ a voz duma Pricesa
Bailando meia nua entre clarões de Espada .

     
Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
E bebeda de Si, arfante de Beleza,
Acera oa seios nus, descobre o sexo... Reza
O espasmo que a estrebucha em Alma copulada...
     
Entanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
A sua voz a fulcra ao meu lembrar-me. Assim
Não lhe desejo a carne _ a carne inexistente...
     
É só voz-em-cio a bailarina astral _
E nessa voz-Estátua, ah! nessa voz-total,,
É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim...
     
                    Mário de Sá-Carneiro
                18//05/1890 _ 26/05/1916    

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

IMPOSSÍVEL DESCRIÇÃO

Entre as vigas duma sala,
ou entre o céu e a terra?
     
A dimensão que me encerra,
nunca sei qualificá-la.
     
Sei que, por vezes, me ausento
para algum furtivo mal:
inseguro pedestal
onde, aos poucos, eu me invento.
     
E se cada espelho me retrata
duma forma diferente
não me levem a nenhum psiquiatra;
porque eu não estou doente
nem preciso da droga que me trata.
     
Se é esse o problema,
não é essa a solução.
Nem me levem ao cinema,
apenas porque estou triste
Este mal do coração
sempre persiste
e insiste.
     
Este mal do coração!
Isto que sinto antes de sentir dor...
Esta pré-dorida sensação
de cesuras, ritmo, rima,
música, dança. folclore...
e esta fúria suprema
do momento criador.
     
Entre as vigas duma sala,
ou entre o céu e a terra?
     
A dimensão que me encerra,
nunca sei qualificá-la.
     
          Fernanda Botelho