domingo, agosto 24, 2014
Como um vassalo aos pés d'uma
rainha,
De olhar patrício e fronte
misteriosa,
Uma radiante borboleta
vinha
Ajoelhar-se defronte d'uma
rosa.
Tombava a noite. E o pequenino
insecto,
Na delicada folha que o
sustinha,
Fitava a rosa, indo ajoelhar-se
inquieto,
Como um vassalo aos pés d'uma
rainha.
Ouve-me agora... Aquela flor
tremente
Eras tu, eras tu, meiga
andorinha!
E eu sou o insecto que,
serenamente,
Se vem ajoelhar na tua
frente,
Como um vassalo aos pés d'uma
rainha.
Eugénio
de Castro
sábado, agosto 23, 2014
domingo, agosto 17, 2014
NOVOS SONETOS A MINHA AMADA
A minha amada é uma menina doce
como um exemplar currículo de cama:
antes, durante, após, geme que me ama,
com a falsidade que o prazer lhe trouxe.
Me quer como um brinquedo. Ou antes fosse.
Mais um sorvete pra sorver na cama.
Sabe mais coisas do que uma mulher dama _
em seus braços meu verso desarmou-se.
E me quer só pra ela. Nada existe
com que me queira dividir. E chora
e briga e treme e agride e fica triste
se de algo em minha vida fica fora
(E só faz o que quer). Nunca desiste
de si enquanto jura que me adora.
Ildásio Tavares
como um exemplar currículo de cama:
antes, durante, após, geme que me ama,
com a falsidade que o prazer lhe trouxe.
Me quer como um brinquedo. Ou antes fosse.
Mais um sorvete pra sorver na cama.
Sabe mais coisas do que uma mulher dama _
em seus braços meu verso desarmou-se.
E me quer só pra ela. Nada existe
com que me queira dividir. E chora
e briga e treme e agride e fica triste
se de algo em minha vida fica fora
(E só faz o que quer). Nunca desiste
de si enquanto jura que me adora.
Ildásio Tavares
sexta-feira, agosto 15, 2014
PAI E FILHA
Criança meiga e formosa
É quem serve ao pai de guia
Ninguém melhor do que Rosa
Um velho triste alivia.
O pai, um velho, já cego,
Desesperado da vida,
Só tem consolo e sossego
Amparado à filha qu'rida.
Servem os dois de modelo
N'aquela aldeia singela;
A filha no seu desvelo,
O pai nos amores por ela,
Não há quadro mais divino,
De tanta simplicidade,
Ele, o cego sem destino,
Ela, a santa caridade !
Julio Baptista Ripado
É quem serve ao pai de guia
Ninguém melhor do que Rosa
Um velho triste alivia.
O pai, um velho, já cego,
Desesperado da vida,
Só tem consolo e sossego
Amparado à filha qu'rida.
Servem os dois de modelo
N'aquela aldeia singela;
A filha no seu desvelo,
O pai nos amores por ela,
Não há quadro mais divino,
De tanta simplicidade,
Ele, o cego sem destino,
Ela, a santa caridade !
Julio Baptista Ripado
quarta-feira, agosto 13, 2014
FIEL AMIGO
Ó pobre cão vadio, meu amigo!
Nem sempre encontras osso p'ra roer
Sou pobre, também sofro o teu castigo;
A vida é só p'ra quem sabe viver!
Ninguém tem dó de ti, ó desgraçado!
Afastam-se com nojo e por capricho
E já tens sido, até, apedrejado,
Por rebuscares pão que está no lixo.
Conheço que és um cão, que andas nu...
Mas quem dera que fossem como tu,
Esses falsos amigos que já tive!
Sou eu, o Silva Peixe quem te fala,
Amigo: quem mais sofre é quem mais cala
Com sentimentos sãos é que se vive.
Silva Peixe
terça-feira, agosto 12, 2014
A MULHER SENTADA
Mulher. Mulher e pombos.
Mulher entre sonhos.
Nuvens nos seus olhos?
Nuvens sobre seus cabelos.
(A visita espera na sala:
a notícia, no telefone;
a morte cresce na hora;
a primavera, além da janela).
Mulher sentada. Tranquila
na sala, como se voasse.
João Cabral de Melo Neto
Mulher entre sonhos.
Nuvens nos seus olhos?
Nuvens sobre seus cabelos.
(A visita espera na sala:
a notícia, no telefone;
a morte cresce na hora;
a primavera, além da janela).
Mulher sentada. Tranquila
na sala, como se voasse.
João Cabral de Melo Neto
domingo, agosto 10, 2014
A CONCHA
É singular da concha a
nostalgia
Depois que deixa as solidões do
mar;
No seio nacarado
preludia,
Ouve-se dentro a vaga a
marulhar.
Semelhante à concha o coração
humano;
Quando perdida a juventude e o
ardor,
Ainda guarda no profundo
arcano,
Fundos vestígios do primeiro
amor.
Isaías de
Oliveira
sábado, agosto 09, 2014
O VELHO POVEIRO
Com a voz cansada de falar às ondas
E a pele curtida do vento do mar,
Pescador velhinho, que mistério sondas?
Que, perscruta, ao longe, teu fincado olhar?
Sentado na praia, nas dunas redondas,
Vendo as nuvens densas que enegrecem o ar,
Que receio oprime, por mais que o escondas,
Teu trémulo rosto, teu peito a arquejar?
Tu que navegavas sem um sobressalto
Entre nevoeiros, temporais, escolhos,
Porque estás agora pálido, inquieto?
Porque nessas lanchas que andam no mar alto,
E que em vão procuras, alongando os olhos,
Numa vem teu filho, noutra vem teu neto!
Alberto D'Oliveira
E a pele curtida do vento do mar,
Pescador velhinho, que mistério sondas?
Que, perscruta, ao longe, teu fincado olhar?
Sentado na praia, nas dunas redondas,
Vendo as nuvens densas que enegrecem o ar,
Que receio oprime, por mais que o escondas,
Teu trémulo rosto, teu peito a arquejar?
Tu que navegavas sem um sobressalto
Entre nevoeiros, temporais, escolhos,
Porque estás agora pálido, inquieto?
Porque nessas lanchas que andam no mar alto,
E que em vão procuras, alongando os olhos,
Numa vem teu filho, noutra vem teu neto!
Alberto D'Oliveira
quinta-feira, agosto 07, 2014
MORTA !
Havia arrulhos, havia ninhos,
Na transparência d'aquele olhar...
Olhar que os longos, negros caminhos,
Me iluminavam como o luar !...
Havia queixas, meigos carinhos,
Na branca esteira d'aquele olhar !
Aquela boca, meu Deus, aquela
boca __ onde os anjos vinham cantar
Quando por vezes me lembro d'ela
Inda prosterno-me a soluçar !
Aquela boca d'onde a procela
Dos beijos se iam como a cantar.
Um dia arcanjos de asas douradas
Do céu baixaram para a levar
Em nuvens pandas, aurilavradas,,
Do azul marinho, do azul do mar,
Anjos formosos, risonhas fadas,
Todos vieram para a levar !
Amortalhada, da cor dos lírios,
Dos brancos lírios junto do altar,
Parece ainda rezar uns kyrius
Por entre os lábios a sussurrar
Branca, tão branca! da cor dos círios
Que ardem às santas virgens do altar !
Todas as flores cantavam hinos,
Quando a levaram para enterrar !
Caía a tarde __ sons vespertinos
Se balouçavam no azul do ar,
E muito longe plangiam sinos,
Quando a levaram para enterrar ...
Arnaldo Damasceno Vieira
1879 _ 1951
Na transparência d'aquele olhar...
Olhar que os longos, negros caminhos,
Me iluminavam como o luar !...
Havia queixas, meigos carinhos,
Na branca esteira d'aquele olhar !
Aquela boca, meu Deus, aquela
boca __ onde os anjos vinham cantar
Quando por vezes me lembro d'ela
Inda prosterno-me a soluçar !
Aquela boca d'onde a procela
Dos beijos se iam como a cantar.
Um dia arcanjos de asas douradas
Do céu baixaram para a levar
Em nuvens pandas, aurilavradas,,
Do azul marinho, do azul do mar,
Anjos formosos, risonhas fadas,
Todos vieram para a levar !
Amortalhada, da cor dos lírios,
Dos brancos lírios junto do altar,
Parece ainda rezar uns kyrius
Por entre os lábios a sussurrar
Branca, tão branca! da cor dos círios
Que ardem às santas virgens do altar !
Todas as flores cantavam hinos,
Quando a levaram para enterrar !
Caía a tarde __ sons vespertinos
Se balouçavam no azul do ar,
E muito longe plangiam sinos,
Quando a levaram para enterrar ...
Arnaldo Damasceno Vieira
1879 _ 1951
terça-feira, agosto 05, 2014
NESTA PRIMAVERA OS PÁSSAROS
Lento é o passar veloz de todos os
veículos
Rumor que se me confunde às
ondas
Vai sobre o cais o meu olhar que só
ouvindo
Se enclausura neste poço que lá em baixo
ouço
Sei que não morreram todos os pássaros
ainda
São pássaros que ouço lá em baixo na cidade
que passa
Delicadamente as pombas interpõem seu
ritmo
E não sei mais senão dum coração que
bate
Eu sei como o bater das asas só longe é
livre
Mas neste poço a cidade o repete
frágil
Somos corações contudo vivos e
percutindo
Um pulsar manso e imerso nesta
margem
Uma galera é ave ou rio ou nobre
ritmo
Passando anódina neste azul só
pálido
Que silentes as manhãs álacres também já
vividas
Mas a cidade me apela e assim frágil a
amo
Quero pensar em pássaros e nos seus ramos de
árvores
Na hora vesperal em que se acolhem e é
tranquila
Mas só tenho esta manhã e a cidade em meu
olhar
Compõe igual seu canto neste poço um pouco
triste
Não sou viúva de cantos de aves por outras
manhãs
Em que a primavera pintava para mim azuis céus
antigos
Mas a cidade palpita com um rumos também de
asa
E a beleza sobe a este poço como a pomba com
leve fremir
Falei da cidade mas não contei da
cidade
Disse antes que ela tinha um leve coração de
bater triste
Talvez um Deus tanbém triste a toque e a
envolva em paz
Mas a cidade é frágil neste poço subindo
múrmura do cais do rio.
Maria Aliete
Galhoz
segunda-feira, agosto 04, 2014
TEMPUS
Nascem dias, morrem dias,
E o tempo sempre a correr:
_Tão ledo nas alegrias !
_Tão triste no padecer !
Caminha, ó tempo e contigo
Leva o meu mal por meu bem ;
Mas deixa-me atrás, amigo,
Que eu não posso ir mais além...
Manuel Augusto d'Amaral
1862-1942
E o tempo sempre a correr:
_Tão ledo nas alegrias !
_Tão triste no padecer !
Caminha, ó tempo e contigo
Leva o meu mal por meu bem ;
Mas deixa-me atrás, amigo,
Que eu não posso ir mais além...
Manuel Augusto d'Amaral
1862-1942
sexta-feira, agosto 01, 2014
SONETO
Estende o manto, estende, ó noite escura,
Enluta de horror feio o alegre prado;
Molda-o bem co pesar dum desgraçado,
A quem nem feições lembram de ventura.
Nubla as estrelas, céu! que esta amargura,
Em que se agora ceva o meu cuidado,
Gostará de ver tudo assim trajado
Da negra cor da minha desventura.
Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
Rebente o mar em vão n'ocos rochedos,
Solte-se o céu em grossas lanças de água!
Consolar-me só podem já pesares:
Quero nutrir-me de arriscados medos,
Quero saciar de mágoa a minha mágoa.
Padre Francisco Manuel do Nascimento
(Filinto Elísio)
1734-1819