Nas montanhas soturnas e
bravias,
Cobertas de urzes e giestas
amarelas,
Vê-se às vezes, nas longas noites
frias,
Um lobo a uivar, voltado p'ra as
estrelas.
Os seus olhos nervosos,
refulgentes,
A cintilarem como dois
luzeiros,
Têm o fulgor da fronte dos
videntes,
A ostentaçãp heróica dos
guerreiros:
Pois pode acaso alguém ao lobo
negar
As aptidões de um pensador profundo
?
Quem sabe! Enquanto ao longe anda a
ulular,
Estuda as obras de Proudhon a fundo.
A Natureza educa. O Sol
radiante,
A árvore verde, graça e luz da
aldeia,
O azul celeste, a nuvem
flutuante,
Tudo contém em si uma
epopeia.
O lobo talvez seja um grande
artista,
Original espírito do
bem,
Filósofo, talvez
positivista
E que jamais se revelasse a
alguém.
Quando através dos densos
arvoredos
Eu o encontro, nas noites
consteladas,
Ou entre as altas cristas dos
rochedos
Erguidas para os ares como
espadas.
Digo sempre comigo então: _Oh
sábios,
Não injurieis o lobo, não fujais
!
Que vai cair em breve dos seus
lábios
O melhor dos sistemas
sociais.
José Leite de
Vasconcelos
(1858-1941)