ROMANCE DAS MULHERES DE LISBOA,
NO REGRESSO DAS PRAIAS
.
Em terra, tantas gaivotas
Mas cedo que anoitece
De automóveis sem capota,
como de conchas abertas,
saís vós, as pressurosas
deusas nos meses de estio,
favoritas do lodo
e dos cavalos marinhos,
tontas cortesãs do Sol
que de bronze vos vestiu...
Em terra, tantas gaivotas
Vultos, sombras, calafrios...
O que fostes não mais volta:
é dif'rente cada estio...
'Státuas de sal e de Sol,
o molde ficou perdido
nas areias e nas rochas,
todo cuspido de limos,
ou roído, à luz do ódio,
pelos cavalos marinhos...
O que fostes já não volta,
ó efémeras Anfitrites
[Para quantas, dentre vós,
foi este o último estio?]
.
Já no Mar os hipocampos
comem ciúme e silêncio;
amotinados, em bandos,
bebem da Lua o veneno;
e preparam, conspirando,
o grande levantamento
_oh, vagas turbilhonantes_
do equinócio de Setembro
E, na cidade, entretanto,
passais vós, éguas, que o vento
já não emprenha, mas lança
às campinas do desprezo
Éreis 'státuas de sal
e do Sol, mas não soubestes
oiro e espuma eternizar.
Ai que cedo que anoitece
Das sombras do litoral,
uma galopada investe
para vos arrebatar
Rompem num choro as sereias
dos barcos supliciados.
Em vão cerrais as orelhas
dos brados que o temporal
contra vós desencadeia
.
Em terra, tantas gaivotas
Oh, que cedo que anoitece
De comboio e ferry-boats,
como de estranhas galeras,
_ressurgis para os encontros,
os funerais e o comércio;
para estreias e vestidos;
para os quartos de aluguer,
_e outros fornos onde, a frio,
ardereis, míseros restos,
até ficar derretido
todo esse bronze d'empréstimo
.
David Mourão Ferreira