quinta-feira, maio 24, 2007

APOLOGIA

Viva e resplenda o amor! Embora a vida,
de abrolhos amiúde revestida
nos excrucie ..., o amor é sempre o amor !

Ele saúda o sol, como a calhandra ;
vive no fogo, como a salamandra,
que a vida cifra-se em morrer de amor !

O Vésper, que flutua no Ocidente ;
O Sol que alaga em chamas o Oriente,
não brilham mais que a eterna luz do amor !

Copérnico, afirmando temerário
que o centro do sistema planetário
está no sol, errou: __está no amor !

Em volta dele, há séculos, gravitam
astros, constelações, os sóis que habitam
as infindas regiões que rege o amor !

Obedecem à sua omnipotência
a morte e a vida; o facho da existência
é humilde satélite do amor !

Se se apagasse o amor, voltando ao nada,
__o mundo, a natureza fulminada,
também se extinguiria, como o amor !

Mas não se extingue o que é eterno e imenso,
que nova vida e novo ardor intenso
no andar dos séculos adquire o amor !

Um século de mágoas e tormento
é compensado por um só momento
de íntimo gozo de profundo amor !

Se a morte queima as flores da ventura,
? que importa a vida, a morte, a sepultura,
após um beijo de infinito amor ? !


Candido de Figueiredo

domingo, maio 20, 2007

A ARANHA

Num angulo do tecto, ágil e astuta, a aranha
sobre invisível tear tecendo a ténue teia,
arma o artístico ardil em que as moscas apanha,
e, insidiosa e subtil, os insectos enleia.

Traz do fluido que flui das entranhas a estranha
e fina trama ideal da seda que a rodeia,
e, alargando o aranhol, os elos emaranha
do alvo disco nupcial, que a luz do sol prateia.

Em flóculos de espuma urde, borda, desenha
o arabesco fatal onde os palpos apóia,
e tenaz, a caçar os insectos, se empenha.

Vive, mata e produz nessa faina enfadonha,
e, faíscante o olhar a arder como uma jóia,
morre na própria teia onde trabalha e sonha.

Da Costa e Silva
23/11/1885__29/06/1950

sábado, maio 19, 2007

SUPLICA

O pomba que andais voando,
Já que não tens que fazer,
Vem salvar-me, ave divina ...
Que eu não posso mais sofrer !...

Foi bem feliz a lembrança
De te escolher, pomba qu'rida,
Pois que em ti é bem mer'cida
A profunda confiança
Que, desde muito criança,
Eu te venho dedicando;
Por isso agora, cantando,
Vais conhecer meu pesar,
Trata pois de m'o sanar,
O pomba que andais voando ...

Sabes muito mais do que eu
Bem o sei, não o contesto,
E por isso te requesto
Para ouvir's um pesar meu
E dar's-me um remédio teu
Que termine por vencer
Todo este meu padecer,
Toda esta minha aflição;
Faz-me pois a prescrição ...
Já que não tens que fazer.

Calcula que a mocidade,
Que p'ra muitos é risonha,
Sempre foi, p'ra mim, tristonha,
Sempre foi dura verdade
De toda essa falsidade
Que pelo mundo domina;
Eu nasci co'a triste sina
De sofrer até à morte ...
E para 'squivar-me à sorte,
Vem salvar-me, ave divina ...

Baixa à terra e, sem tardar,
Nas asas concede abrigo
Ao que deseja ir contigo
N'outro mundo descansar ...
E, se o meu corpo pesar,
Não te vás por tal prender !...
Deixa-o cá, a apodrecer,
E leva, somente, a alma
P'ra região pura e calma ...
Que eu não possa mais sofrer.

Carlos de Seixas

segunda-feira, maio 14, 2007

JORNADA

Quisemos caminhar de braço dado
Nesta vida que Deus nos destinou;
E desde que a jornada começou,
P'la graça de Deus estás a meu lado.

Mesmo longe de mim, a mim ligado,
Foste tu e só tu que me guiou,
Me deu a sua mão, que me levou
Por caminho ora liso ora escarpado.

E agora, que a jornada está no fim,
Olhamos, eu p'ra ti e tu p'ra mim,
Sorrindo a tanta estrada percorrida.

E depois, com ternura e amizade,
Os que foram lembramos com saudade,
Abençoando os que nos trouxe a vida.

Maria de Brito Xavier

domingo, maio 13, 2007

SONETILHO

Desde a tal hora de dor,
Fatal hora, noite escura...
Que a pobre mãe, sem calor,
Deplora a sua amargura.

Morreu a 'sp'rança futura,
Que acalentou com fervor.
Jaz ali, na sepultura,
O fruto do seu amor.

Desde então, sempre à tardinha,
Vai, qual perdida avezinha,
Á campa que a faz sofrer...

E beija-lhe a terra dura...
«Aquilo que não tem cura,
Procurai de o esquecer».

Julio Dias Nogueira

sexta-feira, maio 11, 2007

FIEL


A balança mais estranha
Onde a vida está à prova
Constantemente, sem fim,
Não é velha nem é nova.

Tem dois pratos invisíveis.
Tudo lá podemos pôr.
O aferidor é __a morte
O seu fiel é __a dor.

Um jogo assim de balança
Compreendê-lo, quem há-de?
_Se de um lado o tempo desce,
Do outro sobe a saudade.

Dinis da Luz

domingo, maio 06, 2007

GUERRA JUNQUEIRO

O CAÇADOR SIMÃO
(a Fialho d'Almeida)

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lobrega e silente ...
Corta a mudez sinistra o mar profundo ...
Chora a rainha desgrenhadamente ...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É o princípe Simão que vae à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado ...
Morte tremenda, pavoroso horror !...
Sae das almas atónitas um brado,
Um brado immenso d'amargura e dor ...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

Cospe o estrangeiro affrontas assassinas
Sobre o rostro da pátria a agonisar ...
Rugem nos corações furias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar !...

Papagaio real, diz,me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

A Pátria é morta ! a Liberdade é morta !
Noite negra sem astros, sem faroes !
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infamia os sepulchros dos Heroes !

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É el-rei D. Simão que vae à caça.

Tiros ao longe n'uma lucta accesa !
Rola indomitamente a multidão ...
Tocam clarins de guerra a Marselheza ...
Desaba um throno em subita explosão !...

Papagaio real, diz-me, quem passa ?
_É alguém, é alguem que foi à caça
Do caçador Simão ...

Vianna do Castello, 8 d'abril de 1890.
Guerra Junqueiro

terça-feira, maio 01, 2007

GRANDEZA MAIOR


Poetas do Brasil !... Erguei-vos !... Escrevei !...
Cantai o amor, a Pátria, a Luz, a Glória, o Ser,
E nunca vos deixeis desanimar, vencer !...
__Poetas do Brasil !... Erguei-vos !... Escrevei !...

Lançai por sobre vós a clâmide de Rei !...
Criai Beleza e Amor !... é um rútilo dever !...
Quem sabe, de verdade, a arte de escrever,
Dos Reis do Mundo inteiro é o mais sublime Rei !...

Cantai no Verso Eterno, em Métrica Perfeita,
Detestai a Heresia, __o verso modernista, __
Que o verso musical é o verso que deleita.

Enchei todo o Brasil de Musica e Beleza
E, quando vos faltar Brasil para conquista,
Sabei que é bem maior a Língua Portuguesa !...

Padre Manuel Albuquerque