domingo, abril 20, 2014

A MINHA CASA

CAIEI de branco a casa que não tenho.
Para iss, primeiro, pedra a pedra,
idéia a idéia, tive de edificá-la,
aqui deixando livre uma ampla janela,
e além, cerrandas, paredes para os livros.
Em arcas guardaria as roupas lhanas,
que por outras trocaria, quando velhas,
e no quarto de cama abobadado
repousaria à noite e amaria,
se não me apetecesse dormir antes na relva,
ao som à porfia dos rouxinóis e dos grilos.
     
Estaria sempre posta a minha mesa,
e quem aparecesse e fosse amigo
à vontade nela comeria
e beberia à vontade do que houvesse,
febras, enchidos, azeitonas,
saladas, pão trigueiro,
farta e sortida fruta,
e desde os vinhos leves, ou encorpados,
às várias aguardentes, fortes e perfumadas.
     
Tudo isto fiz, tudo isto quis
eu fazer num andar modesto de aluguer,
na cidade confusa,
tumultuosa e hostil.
Assim falhei o meu fado,
dia a dia igual, ao contrário de mim,
desenfadado e alegre,
por qualquer insignificância enternecido,
mas logo por uma ínfima injustiça
revoltado e raivoso.
     
        Armindo Rodrigues

quinta-feira, abril 10, 2014

TERRA DO MEU ORGULHO

Mar largo. O vento canta. O navio estremece.
A alma de Frei Gonçalo erra sobre este mar...
Sírios, na proa, ao alto, o roteiro esclarece.
Brilha Vénus à ré. Começa a dealbar.

Sinto na boca impura o aroma duma prece.
O coração, ansioso, é um sino a repicar...
Céu e mar são um templo azul, que resplandece!
_De joelhos: São Miguel surge em seu verde altar!

Ó terra de meus pais! Arca do meu afecto...
Mais linda das que eu vi, de olhar saudoso e inquieto,
Buscando-te rival entre os jardins do mundo...

Terra do meu orgulho, e último bem que espero!
Mãe de Bento Góis e mãe de Santo Antero...
_Beijo, a alma de rojo, o teu ventre fecundo!
Raposo de Oliveira

domingo, abril 06, 2014

EPÍLOGO

Este mar, este sol, este perplexo
     Olhar de um gato, este sabor de sal,
     Esta folha da Bíblia, este vitral
     De um templo de Bizâncio, este complexo
    
     Teorema, tudo isto é já um reflexo
     Crepuscular do mundo e do final
     Do cordeiro na cova do chacal,
     Do Espírito castrado pelo sexo.
    
     O que era belo é morto. E, entre monturos,
     Vagam hienas. Vespas zumbem juros,
     De uma csterna o homem mede estrelas.
    
     Sobe uma ogiva à lua. E uma pomba
     Desce do céu e traz no bico a Bomba.
     Uiva em vestais o cio das cadelas.
    
          Domingos Carvalho da Silva

sábado, abril 05, 2014

EUGÉNIA LIMA

http://www.omirante.pt/noticia.asp?idEdicao=54&id=71363&idSeccao=479&Action=noticia#.U0BlraLtAkE


 http://www.oribatejo.pt/2014/04/05/morreu-a-acordeonista-eugenia-lima/


 https://www.youtube.com/watch?v=ycnBqdRk6k4

terça-feira, abril 01, 2014

CAIR DO ALTO

E ficou com as mãos pousadas no teclado,
Esquecida, a cismar num mundo de riqueza:
Supunha-se num baile; um conde apaixonado
Segredava-lhe: "Adoro-a!... Eu mato-me, marquesa!..."

Ah! se fosse fidalga!... Ao menos baronesa...
Que baile! que esplendor na noite de noivado!...
Estremeceu, nervosa, achou-se na pobreza,
E o piano soltou um grito arrepiado.

Absorvida outra vez, prendeu-se-lhe o sentido
A mesma ideia __ o luxo. Ia comprar cautelas...
E imaginou de novo o conde enfurecido...

Um palácio, um coupé, esplêndidos cavalos...
Nisto o marido entrou, de óculos e chinelas,
E miou com ternura: "Anda aparar-me os calos."
Garcia Monteiro
1859 - 1913