domingo, março 28, 2010

FATALISMO

Leva-se a vida em ânsia mal contida
A esperar, a esperar qualquer quimera.
A nossa alma, fiel, não desespera
E os tempos vão-se loucos, de fugida...

E a acalentar, em toda a nossa vida,
A mesma esp'rança ideal que em nós impera,
É sempre na ansiedade que se espera
A chegada triunfal que é prometida.

Mas, para que esperar ansiosamente ?
O futuro dirá, quando presente,
Se nos traz só a Dor, ou a Alegria.

Espera, pois, que ele vem... E quantas vezes
Temos cruéis saudades dos reveses
Que foram do passado de algum dia !

Albertina Saguer

sexta-feira, março 26, 2010

NA ALDEIA

Duas horas da tarde. Um sol ardente
nos colmos dardejando e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
o grito das bigornas estridente.

A taberna é vazia; mansamente
treme o loureiro nos umbrais pintados;
zumbem à porta insectos variegados,
envolvidos do sol na luz tremente.

Fia à soleira uma velhinha: o filho
no céu mal acordou da aurora o brilho
saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
ao longe correm seminus, inquietos,
no mar ondeante da seara loura.

Gonçalves Crespo

1846 / 1883

terça-feira, março 23, 2010

A UM ROUXINOL CANTANDO

Ramalhete animado, flor do vento,
Que alegremente teus ciúmes choras,
Tu, cantando teu mal, teu mal melhoras,
Eu, chorando meu mal, meu mal aumento.

Eu digo minha dor ao sofrimento,
Tu cantas teu pesar a quem namoras,
Tu esperas o bem todas as horas,
Eu temo qualquer mal todo o momento.

Ambos agora estamos padecendo
Por decreto cruel do deus menino;
Mas eu padeço mais, só porque entendo:

Que é tão duro, e cruel o meu destino,
Que tu choras o mal, que estás sofrendo,
Eu choro o mal, que sofro, e que imagino.

Francisco de Vasconcelos Coutinho
(1665 / 1723)

domingo, março 21, 2010

ÁRVORE DO MEU JARDIM

Esta árvore é minha irmã
Não a cortes
Nem a firas,
Antes sua sombra prefiras
Deixando-a viver o amanhã.
São brancas e belas suas flores
Tão puras como nossos amores
Gerados em seiva fecunda e sã.
Está árvore é minha irmã.
Seus galhos são braços
Enleados em ternos abraços
Ao céu erguidos e felizes.
Assim junto meus braços aos teus
No zimbório desses céus
Onde estão nossas raízes.

Maria Elisa Conceição Vicente de Figueiredo Duarte

terça-feira, março 09, 2010

À FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA

Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago.

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos