domingo, novembro 30, 2008

NEGRUME

De tanto olhar o sol, queimei os olhos.
De tanto amar a vida enlouqueci.
Agora sou no mundo esta negrura,
À procura
Da luz e do juízo que perdi.

Cego, tacteio em vão a claridade;
Louco, cuspo no rosto da razão;
E deambulo assim
Dentro de mim,
Negação a negar a negação.


Miguel Torga

quarta-feira, novembro 26, 2008

SONETO

Tem cuidado que é sempre mau prever
qualquer coisa na vida que arrastamos;
convence-te que nós nada evitamos
d'aquilo que nos tem de suceder.

E' sempre muito grave. Sem querer,
A pouco nos familiarisamos
com a atitude firme que pensamos
tomar para o que nos vai acontecer...

e esse caso previsto chega e vem,
por que muito o desejámos. Isso não!
Resoluções não servem a ninguem.

A vida surpreende a cada passo;
e sem nossa mesquinha intervenção
resolve o mais difícil embaraço.

António Botto
(António Thomaz Botto Almada)
http://pt.wikipedia.org/wiki/António_Botto

quinta-feira, novembro 20, 2008

MADRIGAL

(a uma crueldade formosa)

A minha bela ingrata
Cabelo de ouro tem, fronte de prata,
De bronze o coração, de aço o peito;
São os olhos luzentes
(Por quem choro e suspiro,
Desfeito em cinza, em lágrimas desfeito),
Celestial safiro;
Os beiços são rubis, perlas os dentes;
A lustrosa garganta
De mármore polido;
A mão de jaspe, de alabastro a planta.
Que muito, pois, Cupido,
Que tenha tal rigor tanta lindeza,
As feições milagrosas,
Para igualar desdéns a formosuras,
De preciosos metais, pedras preciosas,
E de duros metais, de pedras duras?

Jerónimo Baía
1620/1630?? _ 1688

domingo, novembro 16, 2008

SÓROR MARIA DO CÉU

Cobridme de flores,
Que muero de amores.

Por que de mi aliento el ayre
No lleve el olor sublime,
Cobridme.

Sea, porque todo es uno,
Alientos de amor y olores
De flores.

De azucenas y jasmines
Aqui la mortaja espero,
Que muero.

Si me perguntais de que
Respondo, en dulces rigores:
De amores.

Sóror Maria do Céu
(1658-c. 1752)

sábado, novembro 15, 2008

LA PRISON

Vaste bâtiment, austère et triste,
Que de mystères et secrets se cachent
Derrière tes murs ! !

Je dis le mot de passe
Et tes grilles m'accueillent,
Tes portes s'ouvrent pour moi,
Pour sur moi se fermer.
Le lourd cadenas, derrière moi,
Est fixé. Son bruit sec
Me fait passer un frisson sur l'échine.
Quel bonheur que je sache
Qu'après je sortirai !

Me voilà dedans.

Les gardiens, aimables, me saluent
Poliment.
Le Chef, homme du monde, et charmant,
Va faire sa ronde habituelle,
Il me montrera ce qui peut
M'intéresser.
Différent des autres, ce "cachot"
Est propre, spacieux, et surtout
Un calme bienfaisent parait y régner.
Ici, aucun donjon, pas une seule oubliette,
Ni chambre de tortures pour tristes prisonniers.
Quelques grandes salles pour petits malfaiteurs,
Plusieurs belles chambres pour criminels instruits,
Une petite pharmacie et une infirmerie.
La nourriture est simple, mais bonne et nourrissante,
Plusiers des habitués sont nourris par les siens.
Au fond, c'est un hôtel que les "clients"
Ne doivent quitter et on m'informe
Que souvent même des condamnés,
A leur libération, sont désireux
D'y habiter plus longtemps.
Des femmes, il y a peu ;
Elles sont en bas, dans une chambre claire,
Et s'occupent de couture.
En haute, une criminelle plus importante
Est seule. Les quelques paroles
Que j'échange avec elle
( Car elle parle l'anglais )
Me font douter
De sa pleine responsabilité.
Dans la cour et un peu partout,
Sont postés des soldats indigènes,
Baionette au canon, belles states de bronze,
Sentinelles impassibles
Que rien n'émouvra.
A l'intérieur, pourtant,
Cinq geôliers au total
Veillent à la sécurité
De deux cents prisonniers.
Cette poignée d'hommes déterminés
Font leur devoir, toujours alertes,
Mais bons, humains et sympathiques,
Admirons-les, saluons-les
Et remercions-les pour leur tâche ingrate.
Avec un gros soupir de soulagement
J'écoute, ma visite terminée,
La grande grille se refermer
. . . derrière moi ! !

Et je suis LIBRE !

Robert WENGRAF

terça-feira, novembro 11, 2008

HINO À RAZÃO

"Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz de um coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem,
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!"

Antero de Quental

terça-feira, novembro 04, 2008

RECORDAR É VIVER

Quando eu era criança e inocente,
E nem sequer sabia o que era a vida,
Morria por me ver grande e crescida
E ser considerada como gente !

Cresci, fui me fazendo adolescente
E mais me deu a fúria na corrida,
Tecendo eu nessa altura e iludida,
Castelos muito lindos, no presente !

Mais tarde, já mulher, em modos francos
Aos poucos fui sabendo, os contratempos
Que a vida nos traz sempre, quando avança !

E hoje, com alguns cabelos brancos,
Recordo, com saudade os outros tempos
E choro, por não ser, sempre criança !...

Maria Joana Couto

sábado, novembro 01, 2008

ÓDIO

O ódio, mais o amor
Fizeram em nós guarida.
Primeiro veio o rancor,
O resto, veio em seguida.

Já me olhaste com horror
E com raiva mal contida.
Agora és tu o Senhor
A quem dou a minha vida.

Dois ódios juntos parece
Serem a força que aquece
Mais depressa o coração.

As nossas raivas unidas,
Juntaram as nossas vidas,
Dentro da mesma paixão.

Alice Ogando