A MORTE DE NARCISO
Numa tarde de cansaços, e de sonho doentio,
Quando as folhas sacudidas são saudades a voar,
Foi Narciso, aborrecido, para junto do seu rio,
Para junto do seu rio, ver as águas a passar.
Nunca vira noutros olhos os seus olhos graciosos,
Nem notara nos espelhos o encanto do seu rosto;
Não sentira nos seus dedos, seus cabelos ondulosos,
Nem sabia que os seus olhos têm a graça do sol-posto.
Foi Narciso para junto do seu rio ver as águas...
(Águas mansas como um sonho vagamente pressentido!)
Na esperança de um sossego que curasse as suas mágoas,
Ou de um sonho que encantasse seu espírito dorido.
Mas olhando, fixamente, para as águas deslizando
Sob o coro dos salgueiros onde os melros assobiam,
Mais atento, mais atento, foi nas águas reparando,
Nessas águas vagarosas que p'ra longe lhe fugiam...
É que vira desenhada sobre a face fugidia
Dessas águas do seu rio de tão doce e leve cor,
Linda imagem do seu rosto que de rosa se cobria,
Enleado de receio, todo cheio de pudor...
E a mirar-se de encantado, e a notar-se se ficou,
Como, preso de si próprio, se ficou enamorado...
Morre o dia, nascem trevas... e Narciso não deixou
Esse encanto que nas águas o retinha fascinado!
E na boca pervertida e enlevada que sorria,
O desejo de outra boca começou a corrompê-lo;
E Narciso de atraído por si próprio, não sentia
Que nas águas já poisava levemente o seu cabelo...
Pela imagem de si próprio dominado totalmente,
Pôs os lábios sobre as águas, no prazer de se beijar...
E sentindo-se arrastado pelas águas da corrente,
Quis seu corpo nos seus braços, nos seus braços abraçar!
E abraçou-se, longamente, no desvairo sem igual,
A si próprio, sobre as águas que o levavam murmurando,
De si próprio namorado, no desejo divinal
De a si mesmo, toda a vida, sem fadiga, se ir amando.
No outro dia, acariciado pelo vento, com amor,
Baloiçando-se de leve na corrente de água clara,
Viu-se o corpo de Narciso, seduzindo-sedutor,
Que, encantado de si próprio, se perdera e se matara!
Alfredo Pimenta
Quando as folhas sacudidas são saudades a voar,
Foi Narciso, aborrecido, para junto do seu rio,
Para junto do seu rio, ver as águas a passar.
Nunca vira noutros olhos os seus olhos graciosos,
Nem notara nos espelhos o encanto do seu rosto;
Não sentira nos seus dedos, seus cabelos ondulosos,
Nem sabia que os seus olhos têm a graça do sol-posto.
Foi Narciso para junto do seu rio ver as águas...
(Águas mansas como um sonho vagamente pressentido!)
Na esperança de um sossego que curasse as suas mágoas,
Ou de um sonho que encantasse seu espírito dorido.
Mas olhando, fixamente, para as águas deslizando
Sob o coro dos salgueiros onde os melros assobiam,
Mais atento, mais atento, foi nas águas reparando,
Nessas águas vagarosas que p'ra longe lhe fugiam...
É que vira desenhada sobre a face fugidia
Dessas águas do seu rio de tão doce e leve cor,
Linda imagem do seu rosto que de rosa se cobria,
Enleado de receio, todo cheio de pudor...
E a mirar-se de encantado, e a notar-se se ficou,
Como, preso de si próprio, se ficou enamorado...
Morre o dia, nascem trevas... e Narciso não deixou
Esse encanto que nas águas o retinha fascinado!
E na boca pervertida e enlevada que sorria,
O desejo de outra boca começou a corrompê-lo;
E Narciso de atraído por si próprio, não sentia
Que nas águas já poisava levemente o seu cabelo...
Pela imagem de si próprio dominado totalmente,
Pôs os lábios sobre as águas, no prazer de se beijar...
E sentindo-se arrastado pelas águas da corrente,
Quis seu corpo nos seus braços, nos seus braços abraçar!
E abraçou-se, longamente, no desvairo sem igual,
A si próprio, sobre as águas que o levavam murmurando,
De si próprio namorado, no desejo divinal
De a si mesmo, toda a vida, sem fadiga, se ir amando.
No outro dia, acariciado pelo vento, com amor,
Baloiçando-se de leve na corrente de água clara,
Viu-se o corpo de Narciso, seduzindo-sedutor,
Que, encantado de si próprio, se perdera e se matara!
Alfredo Pimenta