sábado, setembro 29, 2012

GLEBA

Lembro esta selva hostil, de espessuras friorentas,
as flores diluviais. Nos seus vãos tenebrosos,
tudo conspira e vence, em lances astuciosos:
répteis, duendes, sezões e as aves agourentas.

Derreiam palmeirais, urram onças sedentas.
Negrejam na água turva os sáurios pedregosos.
Troncos ressumam leite, e cipós ardilosos
engalfinham-se, a urdir redes tentaculentas.

Entre touças de espinho e cardumes de abelhas,
símios, a saltitar, coçam ruças guedelhas.
Uma arara espaneja as cores arrojadas.

Sulcam de neve e sangue aos aningais das vargens
as garças e guarás que namoram nas margens.
Abre a vitória-régia as pétalas rociadas.
 


Corrêa Pinto

quarta-feira, setembro 19, 2012

EM LIBERDADE

Em liberdade
somos
nós mulheres o cimo
da raiz

o caule que
suporta
o peso do fruto e da flor

No ventre das mulheres
o sossego é fértil

em nós cresce o amor

Maria Teresa Horta

http://www.publico.pt/Cultura/maria-teresa-horta-recusase-a-receber-premio-d-dinis-das-maos-de-passos-coelho--1563564

sábado, setembro 15, 2012

A CALÚNIA

Pronta a filar a presa em garra adunca,
Ar de Satan no rosto rubicundo
Olhos no chão, a espreitar o mundo
Deixa, asquerosa, a sórdida espelunca.

Bem cozida co´a terra. A não vê nunca
A vítima escolhida ao jogo imundo
Do surdo cascalhar seu, que confundo
Com cascável que a sã verdade trunca.

Mole se movimenta. Vai de rastos,
Dentes ervados mordiscando pastos...
Clame a inocência, ao bafo sujo pune-a:

Ri, tripudia, sobre a presa inerte...
E em chavascal, ao próprio Céu converte
__ A repelente baba da calúnia.

Maria Antonieta Fernandes
poema retirado do Correio do Ribatejo
de .13/11/1998 pag. 7

segunda-feira, setembro 03, 2012

O MAR OSCULA A TERRA

O mar oscula a terra docemente
Na cega aspiração que vem d'outrora.
A terra fica triste e inocente
Que depois de beijada sempre cora.


Passa a maré! E logo o vão desejo
De tornar ao momento que passou.
É que o mar, naquele curto beijo,
Nem ele sabe mesmo se amou.


Assim os dois elementos se juntaram
Numa ânsia fremente de ventura
Que deu luz e côr a este Todo!


Quisera amar assim... Mas, oh! Loucura!
O amor que a terra come e sempre dura
Não passará jamais d'eterno lodo!


João Mendes Pereira