sábado, setembro 19, 2009

DUAS METADES

Oiço-nos...
Dois corações, duas vozes...
Uma rima... um só nome...!
Metade de mim, metade de ti...
Só assim me sinto COMPLETA


Juliana Belo

quinta-feira, setembro 17, 2009

OUTONO

Recolhe-se a morrer a Natureza
O ar é fruto e mosto. Nos pomares
O moribundo Outono põe a mesa
E despeja o seu sangue nos lagares.

A Natureza expira; e, na tristeza
Da lenta morte que lhe vem dos ares,
Morre em paz, finda em sonho e em certeza,
Depois de abastecer todos os lares.

Anda na vida a lentidão do sono.
Maternalmente, as árvores fraquíssimas,
Mal sustentam o fruto. O inverno vem...

Assim expira o renascente Outono,
Em tardes que são mortes sereníssimas
De dias bons e que viveram bem.

Afonso Lopes Vieira

quarta-feira, setembro 16, 2009

SÍSIFO

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
vai colhendo
ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga

segunda-feira, setembro 14, 2009

VIDA D'ONTEM

VIDA D'ONTEM

(VERSOS D'HOJE)

Tenho um milhão de desejos,
Extravagantes, diversos;
Entro no amor a dar beijos,
Tu entras a fazer versos.
. (D'uma carta de mulher)

Esbelta, graciosa a minha amante
Fugiu-me há dias; maldiçoada lei
Deste negro Destino penetrante
Dizem que goza as súplicas do Rei.

Agora já lá vai, já tudo esquece
Completando um desejo, outro desejo;
Maldita sorte a minha. Ai quem pudesse
Trazer-me triste a música d'um beijo.

Altas horas da noite, abro a janela,
Entra-me largo, um resplendor de lua
E eu leio a frase recatada e bela
Sobre o retrato: _
Eu amanhã sou tua.

Era risonha, lânguida, fagueira,
Como um sorriso de ventura cheio;
_Veste-te d'homem, põe a caçadeira,
Mostra-me a curva original do seio.

Renego as crenças infantis que tinha,
Por ti eu tudo n'este amor resumo;
Volta de novo histérica andorinha,
Traz-me
o cognac, os fósforos: _Eu fumo.

E vem gozar alma da minha gémea
(Deixa o fantasma d'esse amor bizarro)
Quero contigo rir, n'esta boémia
Fuma também, d'aqui, do meu cigarro.

Não voltas, não; mas, olha a primavera,
Como nos traz a sugestão da boda,
Fala-me ao menos, lúcida quimera,
N'uma algazarra alucinante e
douda.

Conservo ainda, aqui, n'uma gaveta
Da minha mesa de trabalho, farta:
Uns pequeninos pés de violeta,
Que me mandaste dentro d'uma carta.

Diz-me se tens guardados ou dispersos,
(Temo o desdém que se te lê no rosto)
Os meus primeiros e amados versos
Feitos de risos, lágrimas, desgosto...

Lembras-te
loura (?) d'uma noite há meses
Em que no
trem íamos de corrida;
Quando me destes um milhão de vezes
Promessas, sonhos d'uma outra vida?...

Pois aqui tens a vida que me deste;
Pergunto sempre: mas porquê? Não sei.
Um estudante nada vale _ a peste...
Gozas agora as súplicas do Rei.

Eu bem sei que só bebe, quem tem sede;
Mas, o muito beber também faz mal
«Logo farei o que a senhora pede»
Ele te escreveu sobre um cartão postal.
.................................................................

Póde mostrar estes meus versos, quando
Sorrindo os ler a algum meu raro amigo;
Nada me importa, fico-me sonhando
Esse viver original antigo...

Santos Tavares

domingo, setembro 06, 2009

PALAVRAS DUM FANTASMA

Aquela doce e mística suicida
que me visita pela noite morta
vim agora encontrá-la à minha porta,
esperando por mim, toda transida...

Prendeu-me nos seus braços desvairados,
longamente, em silêncio, como louca...
E inda sinto o consolo dessa boca,
beijando-me nos olhos desolados...

Depois pôs-se a dizer-me em voz baixinha:
_"Bem vês, meu pobre amor, ela não tinha
um coração como eu...

Alma de sacrifício _ nunca a viste
igual à minha!... e a minha não te deu
felicidade alguma... se isso existe..."

Manuel Laranjeira
1877 - 1912