segunda-feira, maio 27, 2013

O ORFÃO

!Vir ao mundo e não ter mãe!
Percorrer o mundo inteiro
Sem um lábio maternal
Que vos diga _ filho vem!... _
É como se forasteiro
Na própria terra natal.

!E dizer que havendo Deus.
Fonte de imensa piedade,
Há criancinhas sem berço,
E almas sem caridade!

!Ver os lírios das campinas
Todos cheios de alegria,
E tantas mãos pequeninas
Sem o pão de cada dia!

Ser orfão! !Não ter na vida
Aquilo que todos têm!
É como a ave sem ninho...
É qual semente perdida
Que, ao voltar do seu eirado,
O lavrador descuidado
Deixou tombar no caminho.
Guerra Junqueiro

segunda-feira, maio 20, 2013

O GOSTO DO QUOTIDIANO BURGUÊS

O louro chá no bule fumegando
De Mandarins e Brâmanes cercado;
Brilhante açucar em torrões cortado;
O leite na caneca branquejando;

Vermelhas brasas alvo pão tostando;
Ruiva manteiga em prato mui lavado;
O gado feminino rebanhado,
E o pisco Ganimedes apalpando;

A ponto a mesa está de enxaropar-nos,
Só falta que tu queiras, meu Sarmento,
Com teus discretos ditos alegrar-nos.

Se vens, ou caia chuva, ou brame o vento,
Não pode a longa noite enfastiar-nos,
Antes tudo será contentamento.


Pedro António Correia Garção

terça-feira, maio 14, 2013

MANIAS !


O mundo é velha cena ensaguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, __ hoje uma ossada, __
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremenda mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
Cesário Verde






1855 _ 1886

quarta-feira, maio 01, 2013

CAVADOR

Há qualquer coisa de sublime e grande
No compasso erguer do cavador,
Corpo e enxada _ um todo de vigor
Que força hercúlea conjugada expande.

Para que a terra a seu contento ande,
De sol a sol se estende o seu labor,
Rega, a de fronte honrada, o seu suor...
Bem merecida messe! Deus lha mande!

Brilha, em mão de guerreiro, a fina espada
Mas sabe que, da lâmina afiada
Sairá sangue, morte, pranto, dor...

Polida, p'lo trabalho só esforçada,
Instrumento de vida, és dura enxada,
Arma de paz, nas mãos do cavador!

Maria Antonieta Fernandes

Correio do Ribatejo, pag. 7, 8/5/1998