sábado, dezembro 22, 2012

NATAL

Para os corpos banhar de luz e graça de Deus
Na abóboda dos céus
Fez rutilar o Sol.

Para as almas encher de graça e amor e luz,
Como um doce farol
Deus fez nascer Jesus.
Alfredo da Cunha

sexta-feira, dezembro 07, 2012

RETRATO

UM carro de assalto
   carregado de flores
   me chamou com ternura
   o José Saramago.

   Numa época torva
   como é a nossa,
   de honra espezinhada
   e governos de nojo,
   de bandoleiros vis
   a comando dos ricos,
   que nenhum crime trava,
   nenhuma infâmia assusta,
   mas também promissora,
   exaltante e segura,
   de abnegados e isentos
   semeadores singelos
   de abundância e de paz
   ao serviço de todos,
   radiante me sinto,
   nunca desanimado,
   de, como os mais pobres,
   o que como o ganhar,
   com o suor do rosto,
   com o calor dos braços,
   com a dor das ideias,
   com o alor dos actos.
   As mãos crispo, na fúria
   de colher as estrelas,
   que no espaço germinam
   como fartas searas.
   Os olhos fitos lanço,
   f eitos pródigo vento,
   por sobre os vastos campos,
   por entre as nuvens altas.
   Sorvo o aroma da terra,
   sorvo o aroma do estrume,
   sorvo o aroma da água,
   sorvo o aroma do gado,
   numa tentação quente
   de perturbada febre,
   sem deixar de ser eu,
   sossegado e desperto.
   Recordo, minucioso,
   a confiança gasta,
   no ermo do passado
   tenebroso e abjecto,
   em ímpetos fugazes,
   apelos e protestos.

   Um carro de assalto
   carregado de flores
   me chamou com ternura
   o José Saramago.

   Do coração me irrompem
   irrequietas aves,
   frutos estimulantes,
   apaziguantes fontes,
   numa cinfusão doce
   de anseios saciados.
   O menino que fui
   outra vez em mim espreita,
   no começo outra vez
   de uma jornada longa,
   sem egoísmo, sem glória,
   sem atitudes vagas,
   sem perversas reservas,
   sem opiniões amargas.
   Com o tempo perdi-me,
   com o tempo me achei,
   desatento de mim,
   por aos outros atento,
   numa decisão extrema,
   luminosa e inteira,
   do lado mais custoso
  da dura barricada.
   Ergo a voz que é um eco
   de milhões de outras vozes.
   Em milhões de outras iras
   a minha ira ferve.
   Por milhões de outros passos
   o passo rude acerto.
   Não há ódio tão forte
   que em nós possa deter
   a força da razão
   das razões que nos movem.
   Cala-te, desalento,
   que a nossa pátria buscas
   transformar em hostil,
   transformar em deserto.
   Já basta de mentira,
   a verdade ocultando.
   Já basta de injustiça,
   de justiça fingindo.
   Já basta de riqueza,
   à miséria extorquida.
   Soou em nós a hora
   da decisão exacta.

   Um carro de assalto
   carregado de flores
   me chamou com ternura
   o José Saramago.

          Armindo José Rodrigues


 

segunda-feira, dezembro 03, 2012

O NADA QUE É

O  canavial tem a extensão
   que nenhum metro mede, não
 
   Tem o escancarado de mar
   que está como a dasafiar
 
   que números ou seus afins
   possa prendê-los em seus sins.
 
   Ante um canavial a medida
   é uma ideia logo esquecida,
 
   porque embora todo povoado,
   povoa-o o cheio anonimato
 
  que dá esse efeito singular:
  de um nada prenhe, como o mar.
 
João Cabral de Melo Neto