quarta-feira, agosto 22, 2012

SAUDADE

Se o amor, este amor
me penetra toda
com a sua força gloriosa,
irresistível,
e se na minha alma ansiosa
vive, canta e chora, numa oração;
se é luz de luar que entra no meu peito
e me envolve o coração,
numa ansiedade louca de beijos ...
Já não é amor ... é paixão.

Felícia Caldeira

sábado, agosto 11, 2012

PEDRA DE CANTO

Ainda terás alento e pedra de canto,
Mito de Pégaso, patada de sangue da mentira,
Para cantar em sílabas ásperas o canto,
De rima em -anto, o pranto,
O amor, o apego, o sossego, a rima interna
Das almas calmas, isto e aquilo, o canto
Do pranto em pedra aparelhada a corpo e escopro,
O estupro de outrora, e a triste vida dela, o canto,
Buraco onde te metes, duplamente: com falo,
Falas, fá-la chorar e ganir, com falo o canto
No buraco de grilo onde anoiteces,
No buraco de falso ermita onde conheces
Teu nada, o dela, o buraco dela, o canto
De pedra, sim, canteiro por cantares e aparelhares
Com ela em rua e cama o falo fá-la cheia,
Canteiro porque o falo a julga flores, o canto
Áspero do canteiro de pedra e sémen que tu és
(No buraco do falo falaste),
Tu, falazão de amor, que a amas e conheces.
Amas a quem? Conheces quem? Pobre Hipocrene,
Apolo de pataco, Camões binocular, poeta de merda,
Embora isso em sangue dessa pobre alma ferida:
A dela, a tua, cadela a tua pura e fiel no canto
De lama e amor como não há no charco em torno,
Maravilhoso canto só de soprares na ponta a um corno
E logo a sílaba e o inferno te obedecem
E as dores íntimas dela nas tuas falas se conhecem,
Sua íntima vergonha inconfessada desponta,
Passiflora penada, pequenina vulva triste
Em teu sémen sarada e já livre de afronta:
O canto em pedra e voz, psicóide e bem vibrado,
Límpido como o vidro a altas horas lavado,
Como o galo de bronze pela dor acordado,
No amor e na morte alevantado,
Da trampa mentirosa resgatado,
Como Dante o lavrou em pedra de Florença
E Deus to deu de amor por ela no atoleiro,
Flor menina de orvalho em amor verdadeiro?

Ainda terás amor e pedra de canto,
Fé nela e sua dor de arrependida e enganada,
Ou, enfim, amor a fogo dado e perdão puro...
Eu quero lá saber! Amor de Deus no canto
De misericórdia e paz, mesmo para os violentos
Da violada violeta, a breve miosótis
Ao canto unida e em tuas lágrimas orvalhada?
Cala-te e humilha-te como ela,
Que é maior do que tu no canto
E a esta hora só bebe talvez água salgada,
Oh poeta de água doce!

Mas, antes de calar espada e voz, responde:
Ainda terás alento e pedra de canto
Para cantar estas coisas,
Encantar outra vez a donzela roubada ou niña morta,
Enfim, o teu amor?
Dize lá, sem-vergonha,
Homem singelo:
Pois se nisto me mentes nunca mais a verás.

(Quem fala?).


Vitorino Nemésio

terça-feira, agosto 07, 2012

MINHAS ROSAS TUAS

Se alguma vez me trouxeres violetas
as rosas sobrenaturais de teu corpo
zangam-se de ciúme e vão-lhes dizer
que fujam de mim porque de nenhuma
maneira eu poderia preferi-las às
rosas sobrenaturais de teu corpo

Apesar de morto nessa altura já
tinha reparado que não pode haver
alguma outra flor mais doce flor
que as rosas sobrenaturais de teu corpo
e mesmo depois de morto nada haveria
senão as rosas sobrenaturais de teu corpo

Não me tragam violetas nem flores
nem azevinho de Natal nem cravos
rubros como bandeiras ao vento
dispersa-me ao de leve como a brisa
em praia descoberta e livre
as rosas sobrenaturais de teu corpo

as rosas de teu corpo
sobrenaturais porque tuas

António Pinheiro Guimarães

quarta-feira, agosto 01, 2012

CASIMIRO DANTAS

Ninguém me dá alegrias;
Não nas posso dar também:
Ninguém dá o que não tem.
Casimiro Dantas