domingo, novembro 21, 2010

VAIDOSA

Falando-lhe uma vez de não sei quem,
Perguntei-lhe: _É bonita? E ela explicou:
_É o que essa pessoa menos tem._
_E a menina? _Eu, bonita? _Sim. _Pois sou?_

_E inteligente? _Sou. Não sei porquê-
Dizer uma pessoa o que não sente...
Quem tem olhos e espelho é porque vê,
Eu sei que sou bonita e inteligente._

_E vaidosa também? _Fez-se corada
E, mais linda que nunca, murmurou:
_A modéstia é já coisa desusada, _
_Confessa então... _Que sou vaidosa? Sou. _

Anjo lindo, por causa da vaidade
Deus no Inferno Satanás meteu.
Cometeste o pecado e a verdade
É que no Inferno quem caiu, fui eu!

Alfredo Serrano

quarta-feira, novembro 17, 2010

QUADRAS POPULARES

Tenho chorado de dia
Lágrimas mais de noventa,
Quem canta seu mal espanta,
Quem chora seu mal aumenta!

Amar e não ter ciúmes
Isso não é querer bem;
Quem não zela o bem que ama,
Muito pouco amor lhe tem.

Cancioneiro português

segunda-feira, novembro 15, 2010

SONETO

Mucho a la burla moderada agrada
Al cortesano, delicado estado
Que conservando el gusto amado dado
No quita de la bolsa ornada nada.

La burla larga por pesada odiada
Si usa della el avisado, errado
Camina ciego al desgraciado vado
Que embuelve el gusto en desusada elada.

Y quien la burla que me hiere viere
Pondrà seguro en su locura cura
Pues el que fia del que afierra yerra.

Y quien ver lo que aca se adquiere, quiere
De la burla que siendo dura, dura
Mire que a Reyna tal sotierra, tierra.

Duarte Diaz

terça-feira, novembro 09, 2010

PRECE MARÍTIMA

Venho, Senhor, pedir-te que me deixes,
Lìmpidamente ser irmão dos peixes,
À flor das águas...

As nódoas do meu corpo não as laves
Senão ao baloiçar-me com as aves,
À flor das águas...

E as ondas verguem, verguem como os ramos,
E nós sorrindo, só porque sonhamos
À flor das águas...

Nem fome de oiro, nem de pão mas vede
Os sonhos lisos, iludindo a sede,
À for das águas...

Que a vida, em sendo vida, é isto apenas:
Fechar e abrir de pálperas serenas
À flor das águas...

Pedro Homem de Melo

sábado, novembro 06, 2010

TRAJECTÓRIA

Agora sei
que não sou mais
aquela
que bebeu leite
no peito de minha mãe.
_ a que tremeu de medo
pela escuridão
do velho quarto
e também
a que guardou
no segredo do amor
seu corpo
nas horas inteiras
só de um sonho...

Agora sei,
que não sou mais.

Porque o amor bate temporais
nas minhas veias,
e o tempo nasce luas
e árvores,
nos olhos comuns e fundos,
porque o meu corpo
é uma folha trémula e branca
desesperadamente pura,
sob a caligrafia firme
das tuas mãos
suspensas,

é que eu sei
que não sou mais
aquela.

Alda Lara

segunda-feira, novembro 01, 2010

RELÍQUIA

Era de minha mãe; é um pobre xale,
que tem p'ra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda, que me fale
da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama, já puída e lassa,
deixo os meus dedos para senti-la ainda:
e Ela vem, é Ela que me abraça,
fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe, mais perto, mais pertinho,
que eu sinto quando toco o velho xale,
que guarda não sei quê do seu carinho;

e, quando a vida mais me dói, no escuro,
sinto, ao tocá-lo, como alguém que embale
e beije a minha sede de amor puro.

António Patrício