sábado, abril 28, 2012

EM DEMANDA DA VENTURA

Com diamantes nos dedos, recostado
Num automóvel de faustoso brilho,
Subitamente vejo, do meu trilho,
Pobre casal num ermo desolado.

No portal, p'las videiras sombreado,
Descalça mãe dá de mamar ao filho,
E o pai na fresca leira rega o milho,
De barba hirsuta, semi-nu, curvado.

À cata de ventura, cada artéria
Pulsa em mim; e em negríssima miséria
Aquela gente aguarda em paz a morte!

Mas, nisto, ao cavador que rega o chão
Vontade tenho de bradar: __«Irmão,
Queres trocar comigo a tua sorte?»

Eugénio de Castro

domingo, abril 15, 2012

DIÁLOGO COM UMA ROSA

Numa jarra de cristal
Uma rosa branca e linda
A vinda de outra igual
Parece esperar, ainda.

Tão pálida, tão magoada
Que a piedade me invade
Pobre flor, assim curvada!
Sofre. Talvez de saudade...

Que mágoa é essa, que calas
Mas que de ti se desprende
Até no aroma que exalas
E minh'alma surpreende?

Terão as flores coração?
Serão nossas dores iguais?
À minha interrogação
A rosa curvou-se mais

E, qual lágrima que rola
Por amor que se sentiu,
Da macerada corola
Uma pétala caiu...
Aida Armanda Afonso da Silveira

quinta-feira, abril 05, 2012

A UMA SUSPEITA

«Amor, se uma mudança imaginada
É com tanto rigor minha homicida,
Que fará, se passar de ser temida,
A ser, como temida, averiguada?

Se, só por ser de mim tão receada,
Com dura execução me tira a vida,
Que fará, se chegar a ser sabida?
Que fará, se passar de suspeitada?

Porém, já que me mata, sendo incerta,
sòmente o imaginá.la e presumi-la,
Claro está, pois da vida o fio corta,

Que me fará depois, quando for certa:
Ou tornar a viver para senti-la,
Ou senti-la também depois de morta».


Sóror Violante do Céu
30/05/1601 ou 1607 _ 08/01/1693