domingo, abril 16, 2006

O ROUXINOL E A CIGARRA

o rouxinol e a cigarra

Nas horas de calma ardente
um rouxinol sonoroso
doces gorgeios soltava
sobre um loureiro frondoso.

Dois pastores que defronte
à sombra estavam sentados
seu grato cantico ouviram,
embebidos e encantados.

Eis cigarra presunçosa,
que a leda cena observava,
pousou no extremo do ramo
onde o rouxinol cantava.

E, de ímpia inveja mordida,
lhe diz: __«Teimoso, sossega,
que das aves importunas
és a maior cega-rega.

Incessante, dia e noite,
atroas todo este prado;
com teus dissonantes guinchos
tens-me os ouvidos quebrado.

Atento um pouco me escuta,
se cantar melhor pretendes,
que, inda que tens a voz rouca,
ao menos o estilo aprendes».

O doce musico alado,
sem dar assenso á inveja,
prosseguiu com mais doçura
na cantilena saudosa.

Ela, então, por ver se acaso
o turbava e confundia,
a cantiga estrugidora
fervorosa principia.

Um dos pastores, irado
contra a louca impertinente,
diz: __«Aguarda, toma o prémio
de cantiga tão cadente».

Ergueu-se e com mão tão certa
lhe atira uma torroada,
que a malfadada cantora
caiu por terra esmagada.

Se a inveja assim castigassem,
não seriam turbadoras
dos rouxinóis do Parnaso
cigarras estrugidoras.

Belchior Curvo Semedo
(Montemor-o-Novo 1766/1838)

3 Comments:

Blogger almadepoeta said...

Continuas no teu trabalho de revelação de grandes vultos da nossa poesia, cujo conhecimento pelo publico é no geral quase desconhecido. É um trabalho meritório, que a nós amantes da poesia, nos deliciamos.
Bem hajas

9:52 da tarde  
Blogger Sara MM said...

Ooooohhh... tadita....!!

bjs

10:55 da tarde  
Blogger Memória transparente said...

Um poema de brisa campestre.

Beijinhos.

3:17 da tarde  

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