FLOR DE ESTUFA
Em tardes mansas, pela Avenida,
onde a carruagem roda serena,
pela vidraça toda corrida,
avisto-a às vezes, tão combalida,
tão feiazinha que até faz pena.
Duas velhinhas, que bem suponho
quanto não mentem com seus olhares,
mostram-lhe, heroínas, um ar risonho;
mas nada, nada distrai do sonho
seus olhos dela crepusculares.
De amor vivendo numa atmosfera,
nas sedas moles deitada, inerme,
tristinha cisma no mal que a espera
quando ouve os beijos da primavera
dar luz ao lírio, calor ao verme.
Contam que um dia, vendo uma rosa,
dentro de um copo de cristal fino,
perder o lume da cor viçosa,
em tal desgosto caiu, nervosa,
que pôs a casa num desatino.
É que bem sabe que um dia, breve,
do frio outono que se avizinha,
num beijo, a morte, branca de neve,
há-de colhê-la, muito ao de leve,
como o abrir de asas de uma andorinha.
E o beijo frio, murmúrio brando,
por-lhe no rosto sossego infindo,
tanto que as velhas piedosas, quando
forem vesti-la, dirão chorando :
«Olhem, parece que se está rindo !
Que bem a morte meiguinha a trata,
que tão bonita faz vê-la à gente !»
E ela, a sorrir.se, feliz e grata...
Caixão de mogno, fechos de prata,
forros tão lindos do ninho quente !
Irá formosa no seu passeio
ao campo imenso do bom repouso.
Tal como os outros, do céu nos veio
o dia curto, do inverno em meio,
do sol mais baço, mais amoroso.
D. João da Camara
onde a carruagem roda serena,
pela vidraça toda corrida,
avisto-a às vezes, tão combalida,
tão feiazinha que até faz pena.
Duas velhinhas, que bem suponho
quanto não mentem com seus olhares,
mostram-lhe, heroínas, um ar risonho;
mas nada, nada distrai do sonho
seus olhos dela crepusculares.
De amor vivendo numa atmosfera,
nas sedas moles deitada, inerme,
tristinha cisma no mal que a espera
quando ouve os beijos da primavera
dar luz ao lírio, calor ao verme.
Contam que um dia, vendo uma rosa,
dentro de um copo de cristal fino,
perder o lume da cor viçosa,
em tal desgosto caiu, nervosa,
que pôs a casa num desatino.
É que bem sabe que um dia, breve,
do frio outono que se avizinha,
num beijo, a morte, branca de neve,
há-de colhê-la, muito ao de leve,
como o abrir de asas de uma andorinha.
E o beijo frio, murmúrio brando,
por-lhe no rosto sossego infindo,
tanto que as velhas piedosas, quando
forem vesti-la, dirão chorando :
«Olhem, parece que se está rindo !
Que bem a morte meiguinha a trata,
que tão bonita faz vê-la à gente !»
E ela, a sorrir.se, feliz e grata...
Caixão de mogno, fechos de prata,
forros tão lindos do ninho quente !
Irá formosa no seu passeio
ao campo imenso do bom repouso.
Tal como os outros, do céu nos veio
o dia curto, do inverno em meio,
do sol mais baço, mais amoroso.
D. João da Camara
7 Comments:
Olá, querido Manuel!
Como está? Por aqui, tudo satisfatório, menos o tempo, que está chuviscoso.
Ontem, disse-me e era verdade k estava quente, mas eu adoro climas quentes. Alentejana, k sou, já estou habituada aos 40ºg, embora viva em Lisboa(arredores).
Este poeta conheço eu, este sim. Li a sua publicação só uma vez, pke agora não tenho mais tempo, mas voltarei para comentar.
A mulher, sempre a mulher, tema e desejo inesgotável dos poetas e de quem o não é, e até podem ser flores de estufa.
Um resto de tarde feliz.
Beijo, com estima.
mulher por vezes é mesmo tratada como flor de estufa e esquece-se de viver...
:(
Olá, meu querido amigo!
Sei que me tem visitado, hoje, algumas vezes, e isso agrade-me, sobremaneira.
Tenho tido um dia bem atarefado, em termos profissionais, para além do "namoro" no blogue, como já viu.
Já percebeu, ou está a aperceber-se, que eu sou muito transparente e não guardo, não tenho "nabos em saco", como se diz no meu Alentejo.
"Meu amor" de amigo, peço desculpa, mas estou tão cansada, k não será, ainda, esta noite, que comentarei o poema postado.
Quis passar por aqui, agora, para lhe desejar uma santa noite e deixar-lhe um beijinho, com mta estima.
Como está o tempo em Fazendas de Almeirim?
Até amanhã, se Deus quiser.
Retificando: agrada-me.
Até breve!
Desse final ninguém pode fugir...
Estamos todos no mesmo barco...
Beijos, Manuel!
Um poema narrativo com uma história triste. Mas gostei muito.
Beijo.
Ora, eu de novo, pke o "prometido é devido"!
Poema de D. João Gonçalves Zarco da Câmara, que inicialmente se dedicou às Obras Públicas, mas depois a escrita, foi a sua paixão. Foi um grande dramaturgo, embora tenha escrito outros géneros literários.
Eu desconhecia k ele tinha sido o primeiro português a ser nomeado para o Prémio Nobel da Literatura, no início do século XX (a Wikipédia ensina tudo, ou quase).
Este poema está mto bem feito, embora o considere, em alguns aspetos, ultrapassado. Embora existam flores de estufa, ainda, elas, mulheres, estão em vias de extinção, e ainda bem k assim está a acontecer, pke a mulher tem um lugar, o dela, na sociedade. Não pode continuar a ser só mãe, esposa e dona de casa. Somos diferentes de vocês, e por isso nos completamos tão perfeitamente.
Compreendo o poeta, pke no tempo dele, as coisas eram assim e as mentalidades, tb.
Há ainda homens e mulheres, mas mais mulheres, mentalmente débeis, e as depressões existem mto mais no nosso sexo.
No poema há expressões jocosas e tb tétricas, mas vamos ler e ver este poema, como uma peça de teatro.
Beijinhos, com apreço.
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