O VENTO, O INQUIETO, ERGUEU-SE
O vento, o inquieto, ergueu-se.
Acordou no seu fojo
E veio ver a noite luarenta...
Veio vê-la, e perdeu-se.
Na branca solidão de orvalho e tojo,
Pediu-lhe o coração fúria e tormenta.
Como quem chama por alguém, primeiro,
Como quem berra com alguém, depois,
A voz foi-lhe engrossando pouco a pouco...
Foi de carícia branda a afago inteiro...
De um só degrau foi devorando dois,
Na pressa de quem sobe cego e mouco.
À lua arrepelava-lhe os cabelos;
À terra distendia-lhe a matriz;
Graníticos e míticos castelos
Caíam como frutos amarelos
Roídos na ilusão e na raiz.
Frágeis papoilas dos outeiros,
Torres de santidade,
Tudo o possante abraço derrubou.
Lábios de fogo, sensuais, ligeiros,
Queimavam num segundo a virgindade
Que o sonho põe nas coisas que gerou.
Lágrimas frias pelo chão despido;
Ossos sem carne a reluzir na areia;
Assim a dor no mundo protestava!
Assim se acobardavam num gemido
O vinho do jantar e o pão da ceia,
Enquanto o vento, como um rei, passava!
Porque passava o vento!
Em lufadas de força e movimento,
Era um rapaz alegre a assobiar!
Era desprezo fresco e violento
A brincar com punhais sem se picar!
Ruíam troncos de há quinhentos anos!
Tremiam fragas como flores num prado!
Baliam lobos como ovelhas mansas!
E o vento, surdo como os desenganos,
Desenhava com passos desumanos
A beleza mortal das suas danças.
E zunia!
Sem rei nem roque, universal, corria
Com a vida gelada nos seus braços!
E varria,
Numa alada alegria,
A poeira da terra e dos espaços!
Miguel Torga
nasceu 12/08/1907 fal. 17/01/1995
Acordou no seu fojo
E veio ver a noite luarenta...
Veio vê-la, e perdeu-se.
Na branca solidão de orvalho e tojo,
Pediu-lhe o coração fúria e tormenta.
Como quem chama por alguém, primeiro,
Como quem berra com alguém, depois,
A voz foi-lhe engrossando pouco a pouco...
Foi de carícia branda a afago inteiro...
De um só degrau foi devorando dois,
Na pressa de quem sobe cego e mouco.
À lua arrepelava-lhe os cabelos;
À terra distendia-lhe a matriz;
Graníticos e míticos castelos
Caíam como frutos amarelos
Roídos na ilusão e na raiz.
Frágeis papoilas dos outeiros,
Torres de santidade,
Tudo o possante abraço derrubou.
Lábios de fogo, sensuais, ligeiros,
Queimavam num segundo a virgindade
Que o sonho põe nas coisas que gerou.
Lágrimas frias pelo chão despido;
Ossos sem carne a reluzir na areia;
Assim a dor no mundo protestava!
Assim se acobardavam num gemido
O vinho do jantar e o pão da ceia,
Enquanto o vento, como um rei, passava!
Porque passava o vento!
Em lufadas de força e movimento,
Era um rapaz alegre a assobiar!
Era desprezo fresco e violento
A brincar com punhais sem se picar!
Ruíam troncos de há quinhentos anos!
Tremiam fragas como flores num prado!
Baliam lobos como ovelhas mansas!
E o vento, surdo como os desenganos,
Desenhava com passos desumanos
A beleza mortal das suas danças.
E zunia!
Sem rei nem roque, universal, corria
Com a vida gelada nos seus braços!
E varria,
Numa alada alegria,
A poeira da terra e dos espaços!
Miguel Torga
nasceu 12/08/1907 fal. 17/01/1995
39 Comments:
Poemas lindos para os mais diversos gosto.
Parabéns pela selecção.
Maria
Ler Miguel Torga... É um balsamo para a alma!
Obrigada pela partilha.
Linda poesia, que traz sentimentos de inexplicável nostalgia...
A simplicidade das palavras dele dão uma imensa beleza à escrita. Estou a ler "A Criação do Mundo" dele. ( Sou um homem virado para a prosa).
Um Abraço e boa semana.
Merecida homenagem neste dia.
Uma escolha perfeita, a deste poema.
Entre o grito, a ilusão a inquietude ,,,
do vento,
Alma do Poeta,
verso a verso,
numa dança de palavras
...
Deixo de MIGUEL TORGA:
** CONTEMPLAÇÃO**
(S. Mart, Anta, 30 set.56)
«Num berço de granito,
Com a manta do céu
A cobrir-lhe a nudez
A minha infancia dorme.
Nem bruxas, nem fadas
A velar-lhe o sono.
No mais puro abandono
Do passado,
Respira docemente,
Enquanto eu, inútil enviado
Do presente,
Sobre ela me debruço,
E Soluço.»
Tudo de bom,
abraço,
MJ
É sempre bom ler o Miguel Torga.
Adoro e dou,por mim, vezes sem fim, com este poema no pensamento:
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
boa semana
Miguel Torga:)
acho que está tudo dito:D
bjinhu e obrigada pela visitinha:D
Que magnífica homenagem!
Bjs. Boa semana.
Excelente!
Beijinhosssss
Quem dera que essa fúria do vento levasse nossas dores, nossas tristezas, os males do coração. Lindo!
Fique com Deus! Boa semana!
Beijos
Um texto excelente.
Miguel Torga... :)
Muito obrigada pela sua visita. Gosto muito do seu blog e uma grande oportunidade de conhecer melhor a poesía portuguesa.
Um abraço.
Voltei!!!!
O meu coração espera lá por ti!!!
Beijinhos!!!
Haverá poema de Miguel Torga de que eu não goste? De que alguém não goste? Este é o poeta que melhor canta a terra que nos dá o pão.
Beijinhos
Nem de propósito:
http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/100-anos-detorga-planta-silvestre-mais.html
Menos a propósito:
A menina já aqui dizia qualquer coisinha...Não acha?
http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/esquerdalhas-e-faschizoides-5.html
Grato
¡Qué bello sería que esa furia del viento se llevara, el dolor las tristezas, las injusticias y nos devolviera el amor.
Besos Manuel
De tão belo fiquei sem palavras.
Beijos de lua.
Belo e forte... como tudo o que escreveu o poeta...
Beijinhos...
Belíssima escolha :-)
A Natureza em toda a sua plenitude, como só Torga nos consegue fazer sentir.
Um abraço*
Miguel Torga.
Melhores. Um dos melhores.
El viento es mi hermano...¿sabias?.
Gracias por tus palabras, por tus atenciones y obsequios---Aquí mi conexión es muy lenta y no puedo entrar siempre que lo deseo.Pero te sigo...de cerca.
Fico bem.
Abrazos
Ola Manuel, tudo bem ?
O vento e o tempo, tudo na alma do poeta. O vento soprar e sempre se renova.
Uma otima noite.
Célia
Manuel!
Quantas e quantas vezes, na minha vida, escutei ventos rasgando as dores do meu peito para sentir-me consolada... enquanto, lá fora, rugia um temporal? Quantas e quantas vezes, no zunido da força insensível, coloquei meus sentimentos de solidão e tristeza? Quantas e quantas vezes, pedi temporais em noites de lua cheia? Sonhei tempestades, em tardes de sol? Porque o vento, os raios, a fúria da natureza - tudo isto - era o alívio sonhado para o grito entalado na garganta?
Mas... continuo com vontade de gritar... continuo com vontade de ouvir o vento... da mesma forma que o rapaz: assoviando uma bela melodia... pois que a natureza se encarregara, por ele, de dizer ao mundo seu desconsolo.
Deus te abençoe.
Beijos
Miriam
Eu chamei, berrei, até perder a voz...
E nessa lufada de vento eu vou...
Beijos
Manuel, vengo a traerte mis besos y todo mi agradecimiento; hoy es mi cumpleaños y quería festejarlo contigo.
Besos, abrazos y sonrisas...
Miguel Torga...Belíssima ventania.
Um beijo, Manuel.
Abriré mis ventanas para que el viento describa su danza en mi interior y despeine mis recuerdos con su silbido. De seguro, también, se llevará aquello que no esté realmente sujeto a mi.
Beso celeste!
Ando meia ausente...já tinha saudade de te ler...
Vou a saborear este poema...
Doce beijo
Lindo Manuel, adorei sentir. Beijos!
Precioso, como todos los poemas que ponés!
Un beso
Natalia
Paso a saludarte. La verdad que me ha costado bastante entenderlo. Abrazos.
Olí!
Vim agradecer-te imenso a tua visita ao Eu Sei Que Vou Te Amar... espero poder ver-te por lá mais vezes, porque eu por cá virei também... Li e gostei!
Beijos, flores e muitos sorrisos!
Me pareceu tão triste, talvez pelo vento, talvez pelo frio, ou pelos tojos.
Melancolia e tristeza.
Beijos
Hum, não é dos meus preferidos, mas esta interessante!
Beijos*
Nunca li nada tão belo como este poema ao vento.
Vi a reportagem/homenagem do poeta Torga na televisão.
Ele deixou um belo legado!! Escrevia lindamente.
Beijinhos
G'nda poeta!
E a nostalgia nos abraça e perturba. Mas o incomodo nem é tanto porque o aconchego em nós mesmos sempre nos é necessário.
Abraços
Vim de propósito para agradecer a tua visita ao meu cantinho verde e fiquei seduzida pelos lindos poemas que encontrei cá. Voltarei de certeza.
Um abraço verdinho
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