domingo, agosto 12, 2007

O VENTO, O INQUIETO, ERGUEU-SE

O vento, o inquieto, ergueu-se.
Acordou no seu fojo
E veio ver a noite luarenta...
Veio vê-la, e perdeu-se.
Na branca solidão de orvalho e tojo,
Pediu-lhe o coração fúria e tormenta.

Como quem chama por alguém, primeiro,
Como quem berra com alguém, depois,
A voz foi-lhe engrossando pouco a pouco...
Foi de carícia branda a afago inteiro...
De um só degrau foi devorando dois,
Na pressa de quem sobe cego e mouco.

À lua arrepelava-lhe os cabelos;
À terra distendia-lhe a matriz;
Graníticos e míticos castelos
Caíam como frutos amarelos
Roídos na ilusão e na raiz.

Frágeis papoilas dos outeiros,
Torres de santidade,
Tudo o possante abraço derrubou.
Lábios de fogo, sensuais, ligeiros,
Queimavam num segundo a virgindade
Que o sonho põe nas coisas que gerou.

Lágrimas frias pelo chão despido;
Ossos sem carne a reluzir na areia;
Assim a dor no mundo protestava!
Assim se acobardavam num gemido
O vinho do jantar e o pão da ceia,
Enquanto o vento, como um rei, passava!

Porque passava o vento!
Em lufadas de força e movimento,
Era um rapaz alegre a assobiar!
Era desprezo fresco e violento
A brincar com punhais sem se picar!

Ruíam troncos de há quinhentos anos!
Tremiam fragas como flores num prado!
Baliam lobos como ovelhas mansas!
E o vento, surdo como os desenganos,
Desenhava com passos desumanos
A beleza mortal das suas danças.

E zunia!
Sem rei nem roque, universal, corria
Com a vida gelada nos seus braços!
E varria,
Numa alada alegria,
A poeira da terra e dos espaços!

Miguel Torga
nasceu 12/08/1907 fal. 17/01/1995

39 Comments:

Blogger Mara said...

Poemas lindos para os mais diversos gosto.
Parabéns pela selecção.
Maria

11:38 da tarde  
Blogger Dama said...

Ler Miguel Torga... É um balsamo para a alma!

Obrigada pela partilha.

11:52 da tarde  
Blogger Madalena Barranco said...

Linda poesia, que traz sentimentos de inexplicável nostalgia...

12:21 da manhã  
Blogger Pete said...

A simplicidade das palavras dele dão uma imensa beleza à escrita. Estou a ler "A Criação do Mundo" dele. ( Sou um homem virado para a prosa).

Um Abraço e boa semana.

12:56 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Merecida homenagem neste dia.
Uma escolha perfeita, a deste poema.
Entre o grito, a ilusão a inquietude ,,,
do vento,
Alma do Poeta,
verso a verso,
numa dança de palavras
...
Deixo de MIGUEL TORGA:

** CONTEMPLAÇÃO**
(S. Mart, Anta, 30 set.56)

«Num berço de granito,
Com a manta do céu
A cobrir-lhe a nudez
A minha infancia dorme.
Nem bruxas, nem fadas
A velar-lhe o sono.
No mais puro abandono
Do passado,
Respira docemente,
Enquanto eu, inútil enviado
Do presente,
Sobre ela me debruço,
E Soluço.»

Tudo de bom,
abraço,
MJ

1:13 da manhã  
Blogger turbolenta said...

É sempre bom ler o Miguel Torga.
Adoro e dou,por mim, vezes sem fim, com este poema no pensamento:

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

boa semana

2:24 da tarde  
Blogger O meu mundo said...

Miguel Torga:)
acho que está tudo dito:D

bjinhu e obrigada pela visitinha:D

5:57 da tarde  
Blogger veritas said...

Que magnífica homenagem!

Bjs. Boa semana.

6:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Excelente!
Beijinhosssss

8:03 da tarde  
Blogger Lúcia Laborda said...

Quem dera que essa fúria do vento levasse nossas dores, nossas tristezas, os males do coração. Lindo!
Fique com Deus! Boa semana!
Beijos

9:00 da tarde  
Blogger Martinha said...

Um texto excelente.
Miguel Torga... :)

10:04 da tarde  
Blogger Lucía said...

Muito obrigada pela sua visita. Gosto muito do seu blog e uma grande oportunidade de conhecer melhor a poesía portuguesa.
Um abraço.

10:53 da tarde  
Blogger Elsa Sequeira said...

Voltei!!!!
O meu coração espera lá por ti!!!

Beijinhos!!!

11:14 da tarde  
Blogger Isamar said...

Haverá poema de Miguel Torga de que eu não goste? De que alguém não goste? Este é o poeta que melhor canta a terra que nos dá o pão.
Beijinhos

9:21 da manhã  
Blogger Unknown said...

Nem de propósito:

http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/100-anos-detorga-planta-silvestre-mais.html

Menos a propósito:

A menina já aqui dizia qualquer coisinha...Não acha?

http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/esquerdalhas-e-faschizoides-5.html

Grato

1:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

¡Qué bello sería que esa furia del viento se llevara, el dolor las tristezas, las injusticias y nos devolviera el amor.
Besos Manuel

3:49 da tarde  
Blogger Chellot said...

De tão belo fiquei sem palavras.

Beijos de lua.

4:26 da tarde  
Blogger Alice Matos said...

Belo e forte... como tudo o que escreveu o poeta...
Beijinhos...

7:24 da tarde  
Blogger MJ said...

Belíssima escolha :-)

A Natureza em toda a sua plenitude, como só Torga nos consegue fazer sentir.

Um abraço*

7:27 da tarde  
Blogger Patrícia Lino said...

Miguel Torga.
Melhores. Um dos melhores.

10:41 da tarde  
Blogger AnaR said...

El viento es mi hermano...¿sabias?.

Gracias por tus palabras, por tus atenciones y obsequios---Aquí mi conexión es muy lenta y no puedo entrar siempre que lo deseo.Pero te sigo...de cerca.

Fico bem.

Abrazos

11:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ola Manuel, tudo bem ?
O vento e o tempo, tudo na alma do poeta. O vento soprar e sempre se renova.
Uma otima noite.
Célia

2:08 da manhã  
Blogger poeta_silente said...

Manuel!
Quantas e quantas vezes, na minha vida, escutei ventos rasgando as dores do meu peito para sentir-me consolada... enquanto, lá fora, rugia um temporal? Quantas e quantas vezes, no zunido da força insensível, coloquei meus sentimentos de solidão e tristeza? Quantas e quantas vezes, pedi temporais em noites de lua cheia? Sonhei tempestades, em tardes de sol? Porque o vento, os raios, a fúria da natureza - tudo isto - era o alívio sonhado para o grito entalado na garganta?
Mas... continuo com vontade de gritar... continuo com vontade de ouvir o vento... da mesma forma que o rapaz: assoviando uma bela melodia... pois que a natureza se encarregara, por ele, de dizer ao mundo seu desconsolo.
Deus te abençoe.
Beijos
Miriam

3:34 da manhã  
Blogger Menina do Rio said...

Eu chamei, berrei, até perder a voz...
E nessa lufada de vento eu vou...

Beijos

5:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Manuel, vengo a traerte mis besos y todo mi agradecimiento; hoy es mi cumpleaños y quería festejarlo contigo.
Besos, abrazos y sonrisas...

5:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Miguel Torga...Belíssima ventania.
Um beijo, Manuel.

2:00 da tarde  
Blogger Celeste said...

Abriré mis ventanas para que el viento describa su danza en mi interior y despeine mis recuerdos con su silbido. De seguro, también, se llevará aquello que no esté realmente sujeto a mi.

Beso celeste!

6:51 da tarde  
Blogger Cöllybry said...

Ando meia ausente...já tinha saudade de te ler...

Vou a saborear este poema...

Doce beijo

7:23 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lindo Manuel, adorei sentir. Beijos!

8:11 da tarde  
Blogger *LuNaTiCa* said...

Precioso, como todos los poemas que ponés!

Un beso

Natalia

9:35 da tarde  
Blogger fgiucich said...

Paso a saludarte. La verdad que me ha costado bastante entenderlo. Abrazos.

11:49 da tarde  
Blogger Unknown said...

Olí!
Vim agradecer-te imenso a tua visita ao Eu Sei Que Vou Te Amar... espero poder ver-te por lá mais vezes, porque eu por cá virei também... Li e gostei!
Beijos, flores e muitos sorrisos!

1:08 da manhã  
Blogger Candelas Sanchez Hormigos said...

Me pareceu tão triste, talvez pelo vento, talvez pelo frio, ou pelos tojos.

Melancolia e tristeza.

Beijos

10:14 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hum, não é dos meus preferidos, mas esta interessante!
Beijos*

12:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nunca li nada tão belo como este poema ao vento.

12:58 da tarde  
Blogger Lusófona said...

Vi a reportagem/homenagem do poeta Torga na televisão.

Ele deixou um belo legado!! Escrevia lindamente.
Beijinhos

2:29 da tarde  
Blogger mitro said...

G'nda poeta!

2:50 da tarde  
Blogger Lunna Guedes said...

E a nostalgia nos abraça e perturba. Mas o incomodo nem é tanto porque o aconchego em nós mesmos sempre nos é necessário.
Abraços

4:22 da tarde  
Blogger Je Vois La Vie en Vert said...

Vim de propósito para agradecer a tua visita ao meu cantinho verde e fiquei seduzida pelos lindos poemas que encontrei cá. Voltarei de certeza.
Um abraço verdinho

6:30 da tarde  

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