sexta-feira, setembro 01, 2006

GOMES LEAL


I
(Lápide para colocar no largo onde o
grande poeta Gomes Leal foi apedrejado
pelos garotos de Lisboa)

Aqui,
onde passaram rodas e enterros,
olhos e ventos...
(E urinaram os perros
nos excrementos...)

Aqui,
onde a mesma andorinha
repete há séculos a mesma primavera de realejo...
(E cai uma chuva miudinha
nas manhãs de bocejo...)

Aqui,
onde os trens e as bestas
arrancaram estrelas com os cascos...

Foi aqui
que tombou o Príncipe das Horas Funestas
num suor de chascos.

Sim, foi aqui que te viram rolar na sarjeta,
apedrejado na alma pelos garotos.
(A chorar, a chorar, com alegria secreta
dos anjos bebados nos esgotos.)

E a tua sombra ficou para sempre no chão,
incrívelmente branca,
que nenhum espectro, nenhum vento, nenhum braço sem mão
apaga ou arranca.

Impregnou-se de lágrimas no solo
e aqui ficou na pedra onde caíste
__tu, poeta, que trazias no olhar meninos ao colo
e na voz um fantasma de lança em riste.

Tu que foste católico, jacobino e ateu
só para enfeitar de lua e bebedeiras
o teu instinto de querer rasgar o Véu
que esconde nas rosas as caveiras.

Ah! esse Véu, esse Véu maldito,
que todos os poetas, mesmo sem pensarem nele,
sentem na imprecisão de cada grito
e no calafrio da pele.

Esse Véu, esse Véu que o tédio solda
às mãos, à cara e às fazendas...
E pouco a pouco nos amolda
a este mundo de cárcere sem fendas.

Mas tu não te resignaste e quiseste rompê-lo
de pé, de joelhos, de bruços,
com lágrimas de cutelo
e punhais de soluços.

Tudo em vão, poeta tudo em vão !
Ninguém pode talvez rasgar este Véu maldito que oculta e desvenda
o esqueleto de silêncio em fogo que nos ilumina !

A cada rasgão,
a cada nova senda,
aberta às unhadas na solidão,
sobe sempre do chão
mais neblina
num sufocar de vala
na escuridão...

E depois outra cortina !
Sempre outra cortina !

(Eh ! Poetas: vamos nós rasgá-la ?)



II

(Grito de Gomes Leal no céu:)

«Cansado de dormir no basalto,
morri e meteram-me numa nuvem de elevador.
E agora cá estou no céu alto
com uma estrela ao peito em vez de flor.

Mas qualquer dia dou um salto.
(Ou peço a um anjo que me transporte
para não quebrar as pernas.)

Estou farto de céu e quero mundo ! Quero morte !
Quero dor ! Quero tabernas !»

José Gomes Ferreira
N 9.7.1900 F 8.2.1984

45 Comments:

Blogger AlegriadeQuerer said...

Sabes??? Te entiendo lo que escribe y me fascina como lo haces, pero me gustaría aprender algo en tu idioma.

Como TE ENVIO UN BESO y una sonrisa por tenerme presente, gracias MANUEL

6:53 da tarde  
Blogger fgiucich said...

Bello y profundo como agua de estanque. Abrazos.

7:41 da tarde  
Blogger Isabel Barceló Chico said...

Dos poemas muy bellos y, sobre todo, emocionantes. Me gustaron mucho. Beijos.

11:40 da tarde  
Blogger Mayte said...

Pufff....simplemente hermoso.

La sensibilidad traspasa idiomas, se me eriza la piel.

Bikos y buen fin de semana!!

7:19 da manhã  
Blogger isabel said...

Fantastico!

Bom fim de semana :)

3:42 da tarde  
Blogger Luna said...

Muito bonito, bom fim de semana

4:52 da tarde  
Blogger BETTINA PERRONI said...

Sin duda alguna es bastante intenso, se me hizo bastante temperamental, fuerte
besitos Manuel

4:59 da tarde  
Blogger Elkinha said...

que trágico!
=T

11:28 da tarde  
Blogger Luna said...

Não sou poeta, nem poetisa, não sou eu nem sou ninguém... mas vamos rasgar esses véus que atormentam a alma, que nã acabam... e em cada rasgar de véu uma nova fase faz-nos resnacer e mais uns quantos véus para rasgar!

Mas ao contrário do que nos diz o nosso poeta: Quero o céu! O céu é apenas o primeiro Limite e a morte é passageira!

Beijinhos Lunares

11:01 da manhã  
Blogger Heloisa B.P said...

"COISAS DA CRUELDADE HUMANA, MEU CARO!!!!!
E... na medida em que o Homem avanca em tecnologia e dominio de mais algum saber...tanto mais aumenta a sua crueldade!
Restam os GRITOS dos *POETAS* e...*DOS INOCENTES*!!!!!

BElissimo e dorido o POEMA!

DESTACO:

"Ah! esse Véu, esse Véu maldito,
que todos os poetas, mesmo sem pensarem nele,
sentem na imprecisão de cada grito
e no calafrio da pele.

Esse Véu, esse Véu que o tédio solda
às mãos, à cara e às fazendas...
E pouco a pouco nos amolda
a este mundo de cárcere sem fendas.

Mas tu não te resignaste e quiseste rompê-lo
de pé, de joelhos, de bruços,
com lágrimas de cutelo
e punhais de soluços.

Tudo em vão, poeta tudo em vão !
Ninguém pode talvez rasgar este Véu maldito que oculta e desvenda
o esqueleto de silêncio em fogo que nos ilumina !

A cada rasgão,
a cada nova senda,
aberta às unhadas na solidão,
sobe sempre do chão
mais neblina
num sufocar de vala
na escuridão...

E depois outra cortina !
Sempre outra cortina !"

(Eh ! Poetas: vamos nós rasgá-la ?)
************************************SIM, VAMOS!!!!!!!!
....................OBRIGADA!Por este POEMA e por TUDO o que me envia!
Heloisa B.P.
****************

11:26 da manhã  
Blogger Catarina said...

Passei para por a poesia em dia!
Um bom domingo!

Um abraço;

1:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Poemas fortes, mas bastante bonitos!
Um beijo*

2:48 da tarde  
Blogger Joker said...

Olá!
Uma brisa de poesia para este entardecer quente de Setembro!!!!

Gostei do momento!

Brisas de magias!!!!!

6:48 da tarde  
Blogger Daniela said...

De Proposito...gostei do poesia, mil gracias por visitar, mi espacio, dejar tus notas llenas de encanto, saber que estás siempre pendiente , me encanta tu blog y tu forma atenta de dar amor.
Beijos.

10:42 da tarde  
Blogger Alexandra said...

Escolhas... sempre fantásticas!!!

Boa semana!

Beijos

11:29 da tarde  
Blogger delusions said...

simplesmente fantástico! adorei!

bjos*

12:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá !
Vim agradecer pela linda visita e te desejar uma ótima semana cheia de muitas coisas realizadas.
Adorei a poesia, muitas palavras linda poraqui, seus texto são encantadores.
Amigo achei bem interessante a sopa de pedra. Realmente ela existe. Obrigada pelo link do site da sopa.
Beijos em seu coração!

12:37 da manhã  
Blogger Xica said...

Bonita homenagem. Gostei muito do poema.

10:47 da manhã  
Blogger Maresi@ said...

Ola Manuel:)))

Continuas a apresentar trabalhos de composição de imagem e texto de uma qualidade admirável e extraordinária!...
A lucidez das palavras,
a claridade dos sentidos,
a frescura das imagens...
Beijinhos e uma boa semana para ti!

12:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

MARAVILHOSO!
Beijinhossssssss

2:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Passei por aqui "de propósito" para ler estes belos poemas !
Uma boa semana.
Um Abraço.

1:57 da manhã  
Blogger Saramar said...

Manuel, fiquei sem palavras diante da beleza, da intensidade e da tristeza desses poemas.
São maravilhosos.

beijos

3:10 da manhã  
Blogger Marta Vinhais said...

Boa escolha - gostei muito.
Obrigada igualmente pela visita ao meu blog - gosto muito de te ver lá.
Beijos e abraços
Marta

9:03 da manhã  
Blogger eu... said...

gostei muito... marcou-me sobretudo a parte final, o céu também cansa... a a agitação faz-nos falta...
bjos

2:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aqui deixo tombar uma lágrima minha... qquando a morte chegar já não voltarei a chorar...

Enfim... são dias...
Beijos
Nadir

11:01 da tarde  
Blogger Teresa said...

adorei a escolha: um poema emotivo, forte e tocante. continuação de uma boa semana:)bjs

2:04 da manhã  
Blogger Carla said...

Muito bonito.
Beijinhos.

10:33 da manhã  
Blogger Pete said...

Já voltei das férias.Está interessante esse poema.

Um abraço e bom resto de semana.

1:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Belo.

Abraços

5:56 da tarde  
Blogger Menina Marota said...

Excelente escolha!
"Perdi-me" agora neste Poema.

Um abraço carinhoso e grata pela partilha ;)

6:04 da tarde  
Blogger Poesia Portuguesa said...

Comungo da opinião da "Marota". Excelente partilha!

Um abraço e boa semana ;)

6:06 da tarde  
Blogger Poemas e Cotidiano said...

Meu amigo:
Que bonitos esses versos, e quanta profundidade neles!
Um beijo
MARY

5:08 da manhã  
Blogger Abril_de_otoño said...

aqui entre lagrimas leo
cada ua de las frases
cada poema es distinto y provoca lo mismo
..........
aqui ejo un besos inmenso para ti
una caricia combertida en brisa y un lamento combertido en niebla de amanecer................

cariños,


abril.

5:46 da manhã  
Blogger Rosmaninho said...

Manuel

Passar por aqui é mesmo de propósito...
Aqui, leio o que desconheço e gosto.

~*Um beijo*~

10:24 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A mim que as palavras por custume não faltam...
faltaram...
mas não faltou uma lágrima
não uma lágrima de poeta
uma lágrima de quem gostaria de ser um poeta como tu
Obrigada por tudo que enche o teu poema.

Isabel

1:21 da tarde  
Blogger AlegriadeQuerer said...

hola!! Manuel te paso a saludar y dejar un beso por tu blogs soy Alegria

6:06 da tarde  
Blogger Dulcinea said...

Tudo bem?
gusto muito de su idioma, comprendo tudo, mas nao se escrevirlo.

Muitos Cariñitos

9:27 da tarde  
Blogger Jorge Ortolá said...

Olá Ribatejano.

Fico contente que do Ribatejo, minha zona natal, veja surgir do desconhecido alguns poetas.

Voltarei certamente

Abraços

9:34 da manhã  
Blogger teresa g. said...

Obrigada pela visita e por este espaço de poesia!
:)

9:39 da manhã  
Blogger Vida said...

Gostei muito da visita e das palavras e venho dizer-lhe que a freguesia do Faial da Terra fica no concelho de Povoação, Ilha de S. Miguel Açores, onde eu resido, no mesmo concelho das famosas Furnas onde se faz o cozido à portuguesa na terra.

Belíssimos poemas, beijinhos.

12:36 da tarde  
Blogger Maria said...

Vim ler as tuas escolhas.
Beijos.

3:19 da tarde  
Blogger mitro said...

Além disso acho que no sei não pareciam poesia!

4:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

olá Gomes Leal, poeta livre como todos os poetas, poeta apenas para dizer o que queria e sentia, poeta apenas para viver...a poesia.

felismina

2:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

..um sonho que sigo faz tempo.. "Quero tabernas!", é aqui que se abrem as pernas, caminho directo para o céu..

4:48 da manhã  
Anonymous artur said...

Queria deixar aqui o meu pesar por ainda(mt discutível) haver censura em Portugal, na Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica de Natalia Correia na nova edição foram cortadas poesias entre as quais esta.Apesar de ser sobre um tema que antes era corriqueiro e hoje é tabu, não deixa de ser preocupante a leveza com que se passa o lápis azul por cima, o poema é lindo..

António Botto

Inédito

Nunca te foram ao cu
Nem nas perninhas, aposto!
Mas um homem como tu,
Lavadinho , todo nu, gosto!

Sem ter pentelho nenhum
com certeza, não desgosto,
Até gosto!
Mas... gosto mais de fedelhos.

Vou-lhes ao cu
Dou-lhes conselhos,
Enfim... gosto!

(de "Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica")

4:56 da manhã  

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