terça-feira, fevereiro 10, 2009

Antonio Duarte GOMES LEAL

DE NOITE

Ele vinha da neve, dos trabalhos
violentos, custosos, da enxada,
cantando a meia voz, pelos atalhos.

A mulher, loura, infeliz, resignada,
cosia junto à luz. O rijo vento
batia contra a porta mal fechada.

Ao pé, havia um Cristo, um ramo bento
e uma estampa a Virgem, colorida,
cheia de mágoa, olhando o firmamento...

Uma banca de pinho, mal sustida,
vacilante aos pés: um candeeiro,
companheiros daquela negra vida.

O homem, alto, pálido, trigueiro,
entrou. Tinha as feições queimadas, duras,
dos que andam com a enxada, o dia inteiro.

A mulher abraçou-o. As linhas puras
do seu rosto contavam já tristezas
de grandes e secretas amarguras.

Tinha chorado muito as estreitezas
daquela vida assim!... Talvez sonhado
um dia com palácios e riquezas!

Ele deitou-se a um canto, fatigado
de erguer-se, alta manhã, todos os dias,
mal voavam as pombas do telhado.

Lá fora, nuvens grossas e sombrias
no pesado horizonte. Ele assim esteve
__ as noites eram ásperas e frias __.

Ela cobriu-o duma manta leve,
esburacada, velha. No telhado
ouvia-se cair, sonora, a neve.

Ela então meditou no seu passado;
no seu primeiro beijo, nas lembranças,
talvez, do seu vestido de noivado,

e nas tardes das eiras, e das danças
às estrelas, e aquela vez primeira
que a rosa lhe furtou das longas tranças;

e aquela tarde, junto da amoreira,
que trocaram as mãos; e na janela;
e quando olhavam juntos; a ribeira;

e quando era tímida e singela...
................................................................
Lá fora, dava o vento nos caixilhos;
não brilhava no céu nem uma estrela.

E, àquela hora da noite, por que trilhos
andariam no mundo __ ela cismava __
nas misérias, talvez, sem rumo, os filhos!...

Ele, na manta velha, ressonava.

Gomes Leal
(1848-1921)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Gomes_Leal

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Versos tristes, amargurados, que tanta gente deve sentir na pele.

2:37 da tarde  
Blogger Menina do Rio said...

Quantos sonhos perdem-se nas amarguras!

Quanto tempo não venho te ver, Manu.
Desculpe, mas nem sempre dá

Fica um beijinho pra ti

12:34 da manhã  
Blogger Mαğΐα said...

Um retrato escrito...

1:38 da tarde  
Blogger Dalva M. Ferreira said...

Triste... mas a vida não é só riso.

4:27 da tarde  
Blogger Baila sem peso said...

E de dia a vida assim continuava
magoada...pobre e habituada
só o sol, a luz lhe emprestava...

histórias de vidas sofridas
escritas por poetas de almas sentidas!

Rico em rima :) poético, mas bem triste...a pobreza que de várias formas, ainda existe...

Beijinhos

4:33 da tarde  
Blogger Ma®iana♥Camandrelly said...

Siempre podemos transformar nuestros Momentos !!!!

Gracias por hacer tuyo mi Blog....

4:49 da tarde  
Blogger Concha said...

Surpreendida De Propósito!...
Venho agradecer a sorrir a visita ao meu cantinho.

Um abraço

9:05 da tarde  
Blogger MAR said...

SENSIBILIDAD.
BESOS PARA TI.
MAR

9:48 da tarde  
Blogger Lúcia Laborda said...

Linda poesia, lindinho! Uma história de vida, triste, mas contada com a maestria do poeta...
Bom fim de semana!
Beijos

10:36 da tarde  
Blogger Paulina said...

Una historia triste que lamentablemente se repite en muchos hogares , la mujer siempre luchadora que deja sus sueños en pos de los que ama y disfraza su pena tras una sonrisa.
Un abrazo grandote y gracias por tu visita :)

4:49 da manhã  
Blogger Ana Maria said...

Um pouco tristonho, mas tudo isso passa.
Beijinhos!

1:45 da manhã  

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