sexta-feira, janeiro 23, 2009

ANTONIO RAMOS ROSA

AQUI MEREÇO-TE

O sabor do pão e da terra
e uma luva de orvalho na mão ligeira.
A flor fresca que respiro é branca.
E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas.
Pertenço em cada movimento a esta terra.
O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras.
Sorvo o silêncio visível entre as árvores.
E aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono.
Sob as pálperas transparentes deste dia
o ar é o suspiro dos próprios lábios.
Amar aqui é amar no mar,
mas com a resistência das paredes da terra.

A mão flui liberta tão livre como o olhar.
Aqui posso estar seguro e leve no silêncio
entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas,
ao fogo esparso que alastra ao horizonte.
No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada.
Tudo o que eu disser são os lábios da terra,
o leve martelar das línguas de água,
as feridas da seiva, o estalar das crostas,
o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra,
o incessante elemento que percorre o meu corpo.
Aqui no grande olhar eu vejo e anuncio
as claras ervas, as pedras vivas, os pequenos animais,
os alimentos puros,
as espessas e nutritivas paredes do sono,
o teu corpo com todo o vagar de sua massa,
todo o peso das coisas e a ligeireza do ar.
Ao flexível volante trabalhado pelas seivas
a minha mão alia-se: bom dia, horizonte.

Uma saúde nova vai nascer destes ombros.
A lâmpada respira ao ritmo da terra.
Sei os caminhos de água pelas veredas,
as mãos de ervas finas embriagadas de ar,
o silêncio donde se ergue a torre do canto.

Abrem-se os novos lábios e eu mereço-te.
É este o reino de insectos e de jogos,
das carícias que sabem a uma sede feliz.
Aqui entre o poço e o muro,
neste pequeno espaço de pedra cai um silêncio antigo:
uma infância inextinguível se alimenta
de uma fábula que renasce em todas as idades.
É aqui, minha filha, que dança a fada do ar
com seu brilho sedoso de erva fina
e a sua abelha silenciosa sobre a fronte.
É aqui o eterno recanto onde a água diz
a pura praia da infância.
Aqui bebe e bebe longamente
o hábito da tristeza no silêncio da vida,
aqui, ó pátria de água calada e de pão doce,
da fundura do tempo, da lonjura permanente,
aqui, bom dia, minha filha.

António Ramos Rosa


http://pt.wikipedia.org/wiki/António_Ramos_Rosa

12 Comments:

Blogger pin gente said...

adorei, manel!
obrigada
abraço

5:32 da tarde  
Blogger Arábica said...

Bem que eu queria que a fada do ar andasse também por aqui...


Bom fim de semana, Manuel, beijinho

6:22 da tarde  
Blogger pico minha ilha said...

Era tão bom que todos tivessemos uma fada do ar.Beijinhos

8:11 da tarde  
Blogger Desnuda said...

Bonito, amigo...Muito!


Beijo com perfume de flor de laranjeira

12:58 da manhã  
Blogger andorinha said...

Muito bela a poesia de António Ramos Rosa. Obrigada por a trazeres.
Um beijo, Manuel.

1:34 da manhã  
Blogger Dalva Nascimento said...

Que lindo este poema...

Abraço-te!

=)

2:27 da manhã  
Blogger ASOCIACIÓN SOCIOCULTURAL ATAMAN said...

Muy hermoso ! saludos desde esta isleña mañana .

2:16 da tarde  
Blogger Arábica said...

Manuel,

talvez hoje em pequenas doses, a minha perspectiva esteja mais visivel :)


Um beijinho e felicidades tb para si.

4:16 da tarde  
Blogger Elvira Carvalho said...

Belíssimo este poema.
Um abraço e bom Domingo


À margem: A frágil saúde de meus pais, ele internado no hospital e ela em casa, mas totalmente dependente, não me teem deixado tempo para visitas.

7:49 da manhã  
Blogger Adrianina said...

Hermoso relato, muy visual, fresco, con el olor que nos deja la tierra mujada.
Me encantó.

Nos seguimos leyendo, pasaré seguido para leer de a poco todo tu blog, gracias por tu visita.
Bso

9:43 da manhã  
Blogger Alice Matos said...

"Aqui bebe e bebe longamente
o hábito da tristeza no silêncio da vida,..."

A vida numa ceara de pão...

Gostei ...

Beijo grande para ti...

11:22 da manhã  
Blogger Alice Matos said...

Seara, fica melhor...
(lol)...

11:24 da manhã  

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